Para o Supremo Tribunal Federal
(STF), é constitucional a contagem de tempo (cômputo), para fins de carência,
do período em que o segurado esteve recebendo benefício de auxílio-doença, desde
que intercalado com atividade laborativa.
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O entendimento encontra-se sedimentado
no Recurso
Extraordinário 1.298.832, com repercussão geral, originário do Rio Grande do
Sul. Do qual disponibilizamos o inteiro Teor do Acórdão a seguir:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA INTERCALADO
COM ATIVIDADE LABORATIVA. CONTAGEM PARA FINS DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO
CONSTITUCIONAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
MANIFESTAÇÃO: Trata-se de recurso extraordinário
interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, com arrimo na
alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela 1ª Turma
Recursal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, que reformou a sentença de
improcedência, nos termos do voto do relator, in verbis:
“Trata-se de apreciar recurso interposto em
face de sentença que julgou improcedente a demanda, em que se pleiteia a
concessão de aposentadoria por idade a partir da DER.
A requerente alega, em seu recurso, que o
período em que esteve em gozo de benefício por incapacidade deve ser computado
como carência, porquanto intercalado com recolhimento de contribuições
previdenciárias.
Decido como segue.
De acordo com a Súmula n. 73 da Turma
Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, entendimento que se
alinha a precedente do Supremo Tribunal Federal, ‘o tempo de gozo de
auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de
trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de
carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de
contribuições para a previdência social’.
No caso concreto, os benefícios de
auxílio-doença fruídos pela parte autora (de 28/04/2003 a 30/06/2003 e de
21/11/2003 a 02/03/2018) foram intercalados com período contributivo, conforme
se observa da Guia da Previdência Social anexada no Evento n. 15, não havendo
óbice à consideração do recolhimento efetuado em 12/04/2018 (referente à
competência de 03/2018) para esse propósito.
Por oportuno, saliento que a Turma Nacional
de Uniformização, em julgamento realizado no dia 25.04.2019, nos autos do
processo n. 0000042- 31.2107.4.02.5151/RJ, de Relatoria do Juiz Federal Sérgio
de Abreu Brito, tratou especificamente do tema em discussão. Colhe-se do voto
do Relator:
‘…é irrelevante se houve ou não o
efetivo exercício de atividade laborativa, até porque é possível a realização
de contribuições como segurado facultativo, que sabidamente não exerce labor
remunerado. Também não estabelece a legislação previdenciária, para fins de
cômputo do auxílio-doença intercalado como carência, número mínimo de
recolhimentos de contribuições após a cessação do benefício por incapacidade.’
(…)
Assim, uma vez intercalado com o
recolhimento de contribuições, perfeitamente cabível o cômputo, para fins de
carência, dos períodos de auxílio-doença fruídos pela parte autora.
Por conseguinte, somando o tempo ora
reconhecido ao quanto já computado pela Autarquia, certo é que a requerente, à
ocasião do requerimento administrativo (em 27/04/2018), havia computado a
carência, fazendo jus à aposentadoria por idade pleiteada na inicial desde
aquela data.
Destarte, o voto é por prover o recurso da
parte autora, para o fim de condenar o INSS a lhe conceder aposentadoria por
idade desde a data do requerimento administrativo (em 27/04/2018) determinando,
quanto à atualização das parcelas vencidas, que, a partir da vigência da Lei n.
11.960/2009, o IPCA-E é o índice aplicável para fins de atualização monetária
do débito, enquanto os juros moratórios, que se computam a partir da citação,
devem observar o regramento da remuneração oficial da caderneta de poupança,
com incidência uma única vez, ou seja, sem capitalização.
(…)
Sem condenação em custas e em honorários
advocatícios.” (Doc. 10)
Os embargos
de declaração opostos pelo INSS foram desprovidos e aqueles opostos pela parte
autora, ora recorrida, foram providos, para o fim de comunicar a autarquia
previdenciária “acerca do deferimento da implantação do benefício” (Doc. 16).
Nas razões
do apelo extremo, o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL sustenta preliminar de
repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 2º, caput,
195, § 5º, e 201, caput, da Constituição Federal (Doc. 20).
Em relação à
repercussão geral, alega que “a própria Constituição já deixa entrever que
questões envolvendo a Previdência Social têm inegável relevância jurídica e
social, tanto que a matéria foi destacada em seção específica do Título
reservado à Ordem Social”. Ressalta, ainda, a relevância econômica da matéria,
tendo em vista “o grande número de benefícios concedidos e mantidos pela
Previdência Social e o propalado déficit público.”
Destaca,
também, neste contexto, que “a controvérsia jurídica ora em discussão é de alta
importância para a política pública previdenciária, na medida em que considerar
ou não a possibilidade de cômputo do tempo de recebimento de benefícios por
incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), intercalados entre
períodos contributivos, como carência pode por em risco a norma basilar sobre a
qual se alicerça o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, qual seja: o
equilíbrio financeiro e atuarial”. Aduz, por fim, que “as questões
previdenciárias possuem repercussão geral por servirem de fundamento para
demandas múltiplas, uma vez que, como visto, a alteração do critério de concessão/revisão/cálculo
de benefício interfere nas relações jurídicas de um grande número de
indivíduos”, ultrapassando o interesse subjetivo das partes.
Quanto ao
mérito, argumenta que há, no presente caso, “uma confusão entre dois conceitos
previdenciários diversos: ‘tempo de contribuição’ e ‘carência’”, que
acarretaria “aplicação jurisprudencial indevida do artigo 55, inciso II, da Lei
nº 8.213/91, apontando a sua incidência tanto para tempo de contribuição como
para carência, quando a legislação dirige-se apenas ao primeiro caso”. Afirma
que esses institutos possuem “finalidades diferentes para a proteção do
equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social: a carência visa a
exigir do segurado uma participação mínima no custeio do Regime; o tempo de
contribuição visa, de outra mão, a coibir a concessão de benefícios
precocemente no tempo.”
Ressalta a
necessidade de “fazer distinguishing entre o caso ora tratado e aquele objeto
de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº
583.834, julgado sob a sistemática de repercussão geral”, cuja discussão
travada, no seu entendimento, dizia respeito à possibilidade de “contagem como
tempo de contribuição do período de benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez quando intercalados com períodos contributivos, não
sendo o cerne da questão a carência”.
Argumenta
que “a Turma Recursal, ao julgar procedente a ação invadiu a esfera de livre
discricionariedade do legislador – seu espaço de conformação”, visto que “não
existe lacuna ou omissão da lei a ser suprida por analogia, a norma é de
clareza solar quando afirma, no seu art. 55, II, da Lei 8.213/91 que o período
de percepção de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez intercalado será
considerado como tempo de serviço (ou seja, tempo de contribuição) e não como
carência”.
Por fim,
alega violação ao artigo 195, § 5º, da Constituição, ao conceder “benefício sem
a prévia fonte de custeio, na medida em que o segurado não terá vertido ao RGPS
as contribuições estipuladas em lei para que faça jus à proteção
previdenciária”.
Em
contrarrazões, a parte recorrida postula pela improcedência do recurso
extraordinário com a manutenção da decisão atacada (Doc. 22).
A
Presidência das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul proferiu juízo positivo
de admissibilidade do recurso (Doc. 24).
É o
relatório. Passo a me manifestar.
Ab initio, cumpre delimitar a questão controvertida
nos autos, qual seja: saber se o período no qual o segurado esteve em gozo
do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa,
deve ser computado para fins de carência.
Com efeito,
a matéria aqui suscitada possui densidade constitucional suficiente para o
reconhecimento da existência de repercussão geral, competindo a esta Suprema
Corte manifestar-se sobre a aplicabilidade, também para fins de carência,
do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de mérito
do RE 583.834 (Rel. Min. Ayres Britto, Tema 88 da Repercussão Geral). Reforça
essa conclusão a existência de entendimento sumulado da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que dispõe: “O tempo de gozo
de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente
de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de
carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de
contribuições para a previdência social.” (Súmula 73 da TNU, grifei).
Demais
disso, a temática revela potencial impacto em outros casos, tendo em vista a
multiplicidade de recursos sobre essa específica questão constitucional, como
revela simples pesquisa de jurisprudência na base de dados desta Corte, que
aponta para diversos julgados, seja no campo unipessoal ou por seus órgãos
colegiados.
O Supremo
Tribunal, na apreciação do mérito do RE 583.834, da Relatoria do Ministro Ayres
Britto, Plenário, DJe de 14/2/2012, Tema 88 da Repercussão Geral, assentou que,
muito embora seja de natureza contributiva, o regime geral de previdência
social admite, sob o ângulo constitucional, a exceção contida no artigo 29, §
5º, da Lei 8.213/1991, o qual prevê o cômputo dos períodos de afastamento,
desde que intercalados com períodos de atividade. O julgado restou assim
ementado:
“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. REGIME
GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER CONTRIBUTIVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
AUXÍLIO-DOENÇA. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. LIMITES.
1.
O caráter contributivo do regime geral da previdência social (caput do
art. 201 da CF) a princípio impede a contagem de tempo ficto de
contribuição.
2.
O § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social
– LBPS) é exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição ficto
com apoio no inciso II do art. 55 da mesma Lei. E é aplicável somente às situações
em que a aposentadoria por invalidez seja precedida do recebimento de
auxílio-doença durante período de afastamento intercalado com atividade
laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária.
Entendimento, esse, que não foi modificado pela Lei nº 9.876/99.
3.
O § 7º do art. 36 do Decreto nº 3.048/1999 não ultrapassou os limites da
competência regulamentar porque apenas explicitou a adequada interpretação do
inciso II e do § 5º do art. 29 em combinação com o inciso II do art. 55 e com os
arts. 44 e 61, todos da Lei nº 8.213/1991.
4.
A extensão de efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário
anterior à respectiva vigência ofende tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o
§ 5º do art. 195 da Constituição Federal. Precedentes: REs 416.827 e 415.454,
ambos da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
5.
Recurso extraordinário com repercussão geral a que se dá provimento.”
Observo que
esse entendimento que vem sendo aplicado pela Corte também aos casos em que
se discute o cômputo
do período de auxílio-doença, intercalado por atividade laborativa, também para
efeito de carência. Seguindo essa orientação, destaco os seguintes
julgados:
“AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PERÍODO
DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA, INTERCALADO COM ATIVIDADE LABORATIVA. CONTAGEM PARA
FINS DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE.
1.
O período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença,
desde que intercalado com atividade laborativa, deve ser computado não apenas
como tempo de contribuição, mas também para fins de carência, em obséquio
ao entendimento firmado pelo Plenário desta CORTE, no julgamento do RE
583.834-RG/SC, com repercussão geral reconhecida, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe
de 14/2/2012. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
Não se aplica o art. 85, §11, do Código de Processo Civil de 2015, tendo em
vista que o julgado recorrido foi publicado antes da vigência da nova codificação
processual.” (RE 816.470-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma,
DJe de 7/2/2018, grifei)
“Agravo regimental em recurso
extraordinário com agravo. 2. Direito Previdenciário. 3. Aposentadoria. Auxílio-doença
intercalado com atividade laborativa. Cômputo do tempo para fins de
contribuição ou carência. Possibilidade. Precedentes. 4. Ausência de
argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que
se nega provimento.” (ARE 890.591-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,
DJe de 10/2/2016, grifei)
“Agravo regimental no recurso
extraordinário com agravo. Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Cômputo do tempo de gozo de
auxílio-doença para fins de carência. Possibilidade. Precedentes.
1.
O Supremo Tribunal Federal decidiu nos autos do RE nº 583.834/PR-RG, com
repercussão geral reconhecida, que devem ser computados, para fins de concessão
de aposentadoria por invalidez, os períodos em que o segurado tenha usufruído
do benefício de auxílio-doença, desde que intercalados com atividade
laborativa.
2.
A Suprema Corte vem-se pronunciando no sentido de que o referido entendimento
se aplica, inclusive, para fins de cômputo da carência, e não apenas para
cálculo do tempo de contribuição. Precedentes: ARE 802.877/RS, Min. Teori
Zavascki, DJe de 1/4/14; ARE 771.133/RS, Min. Luiz Fux, DJe de 21/2/2014; ARE
824.328/SC, Min. Gilmar Mendes, DJe de 8/8/14; e ARE 822.483/RS, Min. Cármem
Lúcia, DJe de 8/8/14.
3.
Agravo regimental não provido.” (RE 746.835-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira
Turma, DJe de 7/10/2014, grifei)
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. CONTAGEM DE PERÍODO DE
AFASTAMENTO INTERCALADO COM O DE ATIVIDADE. ART. 29, § 5º, DA LEI N.
8.213/1991. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE
583.834-RG. TEMA Nº 88. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” (ARE 812.420-AgR, Rel.
Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 13/8/2015, grifei)
“DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO.
ART. 29, § 5º, DA LEI 8.213/91. APLICAÇÃO. APOSENTADORIA PRECEDIDA DE
AUXÍLIO-DOENÇA INTERCALADO COM ATIVIDADE LABORATIVA. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO
RECORRIDO PUBLICADO EM 05.12.2012.
O entendimento adotado no acórdão recorrido
não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal,
no sentido da aplicação do art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/91 em casos de
auxílio-doença intercalado por períodos de trabalho. Precedentes.
As razões do agravo regimental não se
mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente
no que se refere à conformidade entre o que decidido no acórdão recorrido e a
jurisprudência desta Corte.
Agravo regimental conhecido e não provido.”
(ARE 770.740-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 19/8/2014,
grifei)
No mesmo
sentido, em casos análogos, confiram-se ainda as decisões monocráticas
proferidas nos seguintes recursos: RE 1.299.863, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de
09/12/2020, RE 1.299.878, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 04/12/2020, RE
1.298.653, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 3/12/2020, RE 1.298.829, Rel.
Min. Alexandre de Moraes, DJe 1º/12/2020, ARE 1.244.945, Rel. Min. Rosa Weber,
DJe de 11/2/2020, ARE 1.116.081, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 16/4/2018, RE
838.527, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 6/3/2018 e ARE 1.056.984, Rel. Min.
Roberto Barroso, DJe de 24/8/2017.
Destarte, a vexata
quaestio veicula tema constitucional (artigos 2º, 195, § 5º, e 201, caput,
da Constituição Federal), que transcende os limites subjetivos da causa,
especialmente em razão da multiplicidade de recursos extraordinários a versarem
idêntica controvérsia. Não se pode olvidar, outrossim, a relevância jurídica da
matéria, haja vista a jurisprudência da Corte que se pacificou quanto à
aplicabilidade da mesma ratio decidendi do RE 583.834, Tema 88 da
Repercussão Geral.
Desse modo,
considerando a necessidade de se atribuir racionalidade ao sistema de
precedentes qualificados, assegurar o relevante papel deste Supremo Tribunal
como Corte Constitucional e de prevenir tanto o recebimento de novos recursos
extraordinários como a prolação desnecessária de múltiplas decisões sobre
idêntica controvérsia, entendo necessária a reafirmação da jurisprudência
dominante desta Corte mediante submissão à sistemática da repercussão geral.
Para os fins
da repercussão geral, proponho a seguinte tese:
“É constitucional o cômputo, para fins de
carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de
auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa.”
Ex
positis, nos termos dos
artigos 323 e 323-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
manifesto-me pela EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL da questão
constitucional suscitada e pela REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE,
fixando-se a tese supramencionada.
Por fim, nos
termos da fundamentação acima exposta, CONHEÇO do AGRAVO e DESPROVEJO
o RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Por não ter havido condenação ao pagamento de
honorários advocatícios no Tribunal a quo, fica impossibilitada a sua
majoração, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
Submeto a
matéria à apreciação dos demais Ministros da Suprema Corte.
Brasília,
11 de dezembro de 2020.
Ministro
LUIZ FUX
Presidente
Documento
assinado digitalmente
MANIFESTAÇÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREVIDENCIÁRIO –
AUXÍLIO-DOENÇA – CÔMPUTO – CARÊNCIA – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.
1. A assessora Adriane da Rocha Callado
Henriques prestou as seguintes informações:
Eis a síntese do discutido no recurso
extraordinário nº 1.297.884, relator ministro Luiz Fux, inserido no sistema
eletrônico da repercussão geral em 18 de dezembro de 2020, sexta-feira, sendo o
último dia para manifestação 18 de fevereiro de 2021, segunda-feira:
O Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS alega base na alínea “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição
Federal, considerado acórdão por meio do qual a Primeira Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, suplantando
entendimento do Juízo, julgou procedente pedido de aposentadoria por idade,
assentando o cômputo, para fim de carência, do tempo de gozo do auxílio-doença,
desde que a fruição do benefício tenha ocorrido entre períodos de atividade
laborativa, nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência
social.
Aponta violados os artigos 2º, cabeça, 195,
§ 5º, e 201, cabeça, da Lei Maior. Afirma reconhecido o direito à aposentadoria
em contrariedade aos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial e da prévia
fonte de custeio, referindo-se à ausência de recolhimento de contribuições
durante o período em que recebido o auxílio-doença. Sustenta distinção entre a
matéria em jogo e o decidido pelo Pleno, sob a sistemática da repercussão
maior, no julgamento do recurso extraordinário nº 582.834 que, segundo
discorre, versa a possibilidade de contagem como tempo de contribuição – e não
para efeito de carência – do período de benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez, quando intercalados com períodos contributivos.
Sublinha ultrapassar a questão interesse subjetivo, mostrando-se relevante dos
pontos de vista jurídico, social e econômico.
O recurso foi admitido na origem. O Relator
submeteu o processo ao Plenário Virtual, manifestando-se pela existência de
repercussão geral do tema. Antecipando voto, negou seguimento ao
extraordinário, remetendo a jurisprudência do Tribunal. Propõe a tese: “É
constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado
esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com
atividade laborativa.”
2. A questão é de envergadura
constitucional, a reclamar o crivo do Supremo. Cumpre definir a
compatibilidade, com a Constituição Federal, do cômputo, para fins de carência,
do tempo de gozo do auxílio-doença, considerada a fruição do benefício entre
períodos de atividade laborativa, nos quais haja ocorrido o recolhimento de
contribuições para a previdência social.
Não cabe o
julgamento de fundo. A matéria deve ser analisada em momento posterior, sendo
aberta oportunidade à sustentação oral, observado o devido processo legal.
3. Pronuncio-me no sentido de estar
configurada a repercussão maior.
4. À Assessoria, para acompanhar a
tramitação do incidente.
5. Publiquem.
Brasília, 5 de
janeiro de 2021.
Ministro MARCO
AURÉLIO
M A N I F
E S T A Ç Ã O
O EXMO.
MINISTRO NUNES MARQUES.
Também eu
entendo que a questão jurídica em análise é constitucional e, ao mesmo tempo,
apresenta repercussão geral.
Todavia,
peço a mais respeitosa vênia para divergir quanto à proposta de reafirmação de jurisprudência, que
entendo incabível na espécie. E o faço ao amparo da linha de
fundamentação a seguir aduzida.
No Recurso
Extraordinário 583.834/SC, adotado pelo Ilustre Relator como paradigma da
jurisprudência a ser reafirmada, o Supremo Tribunal Federal não afastou o cumprimento do período de
carência pelos segurados.
Aquele
julgamento se limitou a consignar a possibilidade de períodos intercalados de
recebimento de auxílio-doença serem considerados no cálculo da renda mensal
inicial dos benefícios de aposentadoria. Em outras palavras, ali se assentou
que a renda do auxílio-doença poderia ser considerada salário-de-contribuição.
Isso porque,
em períodos de recebimento de auxílio-doença, como, em regra, não há
contribuição por parte do segurado ― uma vez que se encontra afastado por
incapacidade ―, para que ele não tenha de suportar prejuízo, utiliza-se, por ocasião do cálculo do
salário-de-benefício, a renda do benefício, apurada pelo INSS, como
se fosse salário de-contribuição. Esse o escopo do § 5º do art. 29 da Lei 8.213/1991, o qual
não está inserido na Seção que trata de carência tampouco de regras de
contribuição, mas sim na Seção destinada ao cálculo do valor dos benefícios.
Vale,
portanto, ressaltar: cálculo de benefício não se confunde com requisitos para
obtenção de benefícios. São institutos distintos da Lei 8.213, dispostos em
pontos diversos daquele Diploma Legal.
Muito
diferente, portanto, da controvérsia estabelecida nos presentes autos, em que
se pretende assegurar o cômputo, para fins de carência, do período no qual o
segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, quando intercalado com
atividade laborativa.
O problema
está em que o tempo de
atividade laboral (tempo de serviço) não significa, necessariamente, tempo de
contribuição, pois é possível o segurado ficar em atividade, mas não recolher
para o INSS no período.
Somente o
período de tempo efetivamente coberto por contribuição previdenciária pode ser
contado para fins de carência.
Admitir o
cômputo da carência sem a correspondente contribuição previdenciária vilipendia
o caráter contributivo da Previdência Social, expressamente previsto no caput do art. 201 da Constituição
Federal, atribuindo-lhe natureza própria da Assistência Social, de que trata o
caput do art. 203 da Constituição Federal.
Tempo de
carência não se confunde com tempo de contribuição.
Tempo de carência é o período mínimo de contribuição efetiva
(e nunca ficta) para que o segurado possa ter direito a um
benefício previdenciário.
Tempo de contribuição é o tempo de serviço, o qual pode ou não ter
contribuições previdenciárias a ele atreladas. É possível ter tempo de serviço
sem as contribuições correspondentes. A Lei 8.213/1991 enumera, em seu art. 55,
algumas dessas hipóteses ― entre as quais, justamente, o tempo intercalado
em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Tal período é considerado tempo
de contribuição, mas não de carência, pois, repito e reitero, esses institutos
não se confundem.
Feitas essas
ponderações, saliento que a necessidade de preservação do caráter contributivo
da Previdência Social foi expressamente consignada no julgamento do
RE-583.834/SC, em sede do qual, ademais, foi provido o recurso extraordinário
interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social ― exatamente o oposto do
que ocorre na hipótese dos autos, em que o Ilustre Relator está negando
provimento ao recurso apresentado por aquela Autarquia Previdenciária.
Em face
do exposto, manifesto o meu entendimento quanto ao não cabimento da reafirmação
da jurisprudência ora trazida à apreciação.
E, em
assim o fazendo, dou provimento ao recurso extraordinário interposto pelo
Instituto Nacional do Seguro Social para, reformando o acórdão recorrido,
julgar inteiramente improcedente o pedido.
É o voto
Ministro
NUNES MARQUES
***