RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

 

RELATOR:
                                            MIN.
MARCO AURÉLIO

REDATOR
DO ACÓRDÃO:                   MIN.
ALEXANDRE DE MORAES

RECTE. (S):                                           INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS

 

         Ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. TEMA 1102 DA REPERCUSSÃO GERAL. POSSIBILIDADE
DE REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO MEDIANTE A APLICAÇÃO DA REGRA
DEFINITIVA DO ARTIGO 29, INCISOS I E II, DA LEI 8.213/1991, QUANDO MAIS
FAVORÁVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 3º DA LEI 9.876/1999
,
AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ANTES DA
PUBLICAÇÃO DA REFERIDA LEI 9.876/1999, OCORRIDA EM 26/11/1999. DIREITO DE OPÇÃO
GARANTIDO AO SEGURADO.

 

VEJA COMO SOLICITAR A REVISÃO DA VIDA TODA AQUI

        1. A controvérsia colocada neste precedente
com repercussão geral reconhecida consiste em definir se o segurado do INSS que
ingressou no sistema previdenciário até o dia anterior à publicação da Lei
9.876, em 26 de novembro de 1999, pode optar, para o cálculo do seu salário de
benefício, pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991
quando essa lhe for mais favorável do que a previsão da lei, no art. 3º, de uma
regra transitória, por lhe assegurar um benefício mais elevado.

        2. O
INSS argumenta que a única regra legal aplicável ao cálculo de todos os
segurados, sejam eles filiados ao RGPS antes ou após a vigência da Lei
9.876/1999, é aquela que limita o cômputo para aposentadoria apenas às
contribuições vertidas a partir de julho de 1994, “os primeiros, por expresso
imperativo legal; os últimos, por consequência lógica da filiação ocorrida após
1999”. Desse modo, não haveria que se falar em inclusão do período contributivo
anterior a tal marco temporal.

        3. A
partir da leitura da exposição de motivos do Projeto de Lei que originou a Lei
9.876/1999 e os argumentos aduzidos no acórdão recorrido, depreende-se que a
regra definitiva veio para privilegiar no cálculo da renda inicial do benefício
a integralidade do histórico contributivo. A limitação imposta pela regra
transitória a julho de 1994 teve escopo de minimizar eventuais distorções
causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores.

        4. A
regra transitória, portanto, era favorecer os trabalhadores com menor
escolaridade, inserção menos favorável no mercado de trabalho, que tenham uma
trajetória salarial mais ou menos linear, só que, em alguns casos, isso se
mostrou pior para o segurado, e não favorável como pretendia o legislador na
aplicação específica de alguns casos concretos.

        5. A
regra transitória acabou aumentando o fosso entre aqueles que ganham mais e vão
progredindo e, ao longo do tempo, ganhando mais, daqueles que têm mais
dificuldades em virtude da menor escolaridade e a sua média salarial vai
diminuindo. Acabou-se ampliando a desigualdade social e a distribuição de
renda, que não era essa hipótese prevista, inclusive, pelo legislador.

        6.
Admitir-se que norma transitória importe em tratamento mais gravoso ao segurado
mais antigo em comparação ao novo segurado contraria o princípio da isonomia,
que enuncia dever-se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua
desigualdade, a fim de conferir-lhes igualdade material, nunca de
prejudicá-los.

        7.
Efetivamente, os segurados que reuniram os requisitos para obtenção do
benefício na vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, com a redação da Lei
9.876/1999, podem ter a sua aposentadoria calculada tomando em consideração
todo o período contributivo, ou seja, abarcando as contribuições desde o seu
início, as quais podem ter sido muito maiores do que aquelas vertidas após
1994, em decorrência da redução salarial com a consequente diminuição do valor
recolhido à Previdência.

        8.
Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tese de julgamento: “O
segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a
vigência da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, e antes da vigência das novas
regras constitucionais introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a regra
transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso
esta lhe seja mais favorável”.

 

 

A C Ó R D Ã O

 

        Vistos,
relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal,
em Sessão Virtual do Plenário, sob a Presidência da Senhora Ministra ROSA
WEBER, em conformidade com a certidão de julgamento, por maioria, apreciando o
tema 1.102 da repercussão geral, acordam em negar provimento ao Recurso
Extraordinário, vencidos os Ministros NUNES MARQUES, ROBERTO BARROSO, LUIZ FUX,
DIAS TOFFOLI e GILMAR MENDES. Em seguida, por unanimidade, foi fixada a
seguinte tese: “O segurado que implementou as condições para o benefício
previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência
das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito
de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável”, nos termos
do voto do Ministro ALEXANDRE DE MORAES (Redator para o acórdão). Não votou o
Ministro ANDRÉ MENDONÇA, sucessor do Ministro MARCO AURÉLIO (Relator). Ausente,
justificadamente, o Ministro NUNES MARQUES.

         Brasília,
1º de dezembro de 2022.

 

 

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Redator para o Acórdão

 

 

 

 

 

 

RELATOR:                                            
MIN. MARCO AURÉLIO

REDATOR
DO ACÓRDÃO:                   MIN.
ALEXANDRE DE MORAES

RECTE. (S):                                          
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Adoto, como
relatório, as informações prestadas pelo assessor Tiago do Vale:

 

     O
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS busca ver reformado acórdão mediante
o qual a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, sob a
sistemática dos recursos repetitivos, recurso especial, assentou a seguinte
tese: “Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei
8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a
regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que
ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à
publicação da Lei 9.876/1999”. Eis a síntese do pronunciamento:

    
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS.
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SOBREPOSIÇÃO DE NORMAS.
APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA PREVISTA NO ART. 29, I E II DA LEI 8.213/1991, NA
APURAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORÁVEL DO QUE A REGRA DE
TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 3º DA LEI 9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM
NO SISTEMA ANTES DE 26.11.1999 (DATA DE EDIÇÃO DA LEI 9.876/1999).
CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO
DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.

     1. A Lei
9.876/1999 implementou nova regra de cálculo, ampliando gradualmente a base de
cálculo dos benefícios que passou a corresponder aos maiores salários de
contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo do Segurado.

     2. A
nova legislação trouxe, também, uma regra de transição, em seu art. 3º,
estabelecendo que no cálculo do salário de benefício dos Segurados filiados à
Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta lei, o período
básico de cálculo só abarcaria as contribuições vertidas a partir de julho de
1994.

     3. A
norma transitória deve ser vista em seu caráter protetivo. O propósito do
artigo 3º da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer regras de
transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de forma
abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.

     4. Nesse
passo, não se pode admitir que tendo o Segurado vertido melhores contribuições
antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no
momento da concessão de seu benefício, sem analisar as consequências da medida
na apuração do valor do benefício, sob pena de infringência ao princípio da
contrapartida.

     5. É
certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo,
decorrendo de tal princípio a necessidade de haver, necessariamente, uma
relação entre custeio e benefício, não se afigurando razoável que o Segurado
verta contribuições e não possa se utilizar delas no cálculo de seu benefício.

     6. A
concessão do benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência
da condição mais vantajosa ou benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do
STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação
previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre,
assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe
proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas
contribuições.

     7. Desse
modo, impõe-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra definitiva
prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício,
quando se revelar mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º
da Lei 9.876/1999, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais. Afinal,
por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a regra de transição não
pode ser mais gravosa do que a regra definitiva.

     8. Com
base nessas considerações, sugere-se a fixação da seguinte tese: Aplica-se a
regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida
no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da
Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei.

     9.
Recurso Especial do Segurado provido.

 

     No
recurso extraordinário, interposto com alegada base na alínea “a” do inciso III
do artigo 102 da Constituição Federal, diz inobservados os artigos 2º, 5º,
cabeça, 97, 195, parágrafos 4º e 5º, 201 da Lei Maior e 26 da Emenda de nº
103/2019. Sublinha desrespeitada a cláusula de reserva de plenário – artigo 97
da Carta da República – no que afastada, pelo Superior Tribunal de Justiça,
mediante órgão fracionário, a aplicação do artigo 3º da Lei nº 9.876/1999.
Aponta contrariado o princípio da isonomia, frisando a existência de regra
única a disciplinar o cálculo do salário de benefício de todos os segurados,
sendo computados apenas os de contribuição a contar de julho de 1994. Afirma
desconsiderado o equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Geral de
Previdência Social – RGPS, ante o abandono do limite temporal para fins de
apuração da verba. Discorre sobre a natureza solidária e contributiva do
sistema previdenciário. Argumenta que, se mantida a decisão recorrida, surgirá
caracterizada majoração de benefício sem previsão de fonte de custeio. Destaca
haver o legislador optado pela exclusão do período contributivo anterior a
julho de 1994, realçando que entendimento contrário, por meio de pronunciamento
judicial, revela ofensa à separação dos Poderes.

     Sob o
ângulo da repercussão geral, assinala ultrapassar a controvérsia os limites
subjetivos da lide, mostrando-se relevante dos pontos de vista político,
econômico e social. Vanderlei Martins de Medeiros, em contrarrazões, sustenta,
preliminarmente, a inadmissibilidade do recurso, reportando-se à falta de
prequestionamento e ao envolvimento de matéria legal.

     No
mérito, diz do acerto do ato atacado. Menciona que a tese firmada pelo Superior
Tribunal de Justiça está em consonância com o princípio do melhor benefício.
Esclarece ter a Lei nº 9.786/1999 implicado modificação abrupta na forma de
cálculo das verbas previdenciárias ao ampliar o período básico. Pondera que o
legislador, visando resguardar as expectativas dos segurados filiados antes da
vigência do diploma, previu regra de transição, permitindo, para efeito de
cômputo do benefício, exclusivamente os salários de contribuição posteriores a
julho de 1994. Ante o fato de a regra de transição haver sido incluída em
benefício dos segurados, tem como aplicável a definitiva quando a transitória
se revelar desvantajosa.

O Pleno, em 27 de agosto de 2020, admitiu a
repercussão maior da questão:

     Recurso
extraordinário. Previdenciário. Revisão de benefício. Cálculo do
salário-de-benefício. Segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) até a data de publicação da Lei nº 9.876/99. Aplicação da regra
definitiva do art. 29, inc. I e II, da Lei nº 8.213/91 ou da regra de transição
do art. 3º da Lei nº 9.876/99. Presença de repercussão geral.

A Procuradoria-Geral da República manifesta-se pelo
desprovimento do recurso, em parecer assim resumido:

     RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.102. ART. 3º DA LEI
9.876/1999. REGRA TRANSITÓRIA. SEGURADO INGRESSANTE NO RGPS ANTES DE 26/11/99.
DESCONSIDERAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES ANTERIORES À COMPETÊNCIA DE JULHO DE 1994.
DESFAVORECIMENTO. REGRA DEFINITIVA. ART 29, I E II, DA LEI 8.213/1991.
APLICABILIDADE. POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MELHOR BENEFÍCIO.DESPROVIMENTO
DO      RECURSO.

     1.
Recurso Extraordinário representativo do Tema 1.102 da sistemática da
Repercussão Geral, referente à “possibilidade de revisão de benefício
previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I
e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição
contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no
Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da Lei nº 9.876/99,
ocorrida em 26/11/99”.

       2. As
regras transitórias são editadas a fim de se garantir o postulado da segurança
jurídica, respeitando-se as situações consolidadas no tempo.

       3.
Segundo a exposição de motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, que originou a Lei
9.876/1999, a regra transitória foi criada com o objetivo de mitigar os efeitos
da regra permanente, considerando que o período a contar de julho de 1994
coincide com o período do Plano Real, de reduzidos níveis de inflação, o que
permitiria minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário
nos rendimentos dos trabalhadores.

       4.
Desconsiderar o efetivo recolhimento das contribuições realizado antes de 1994
vai de encontro ao direito ao melhor benefício e à expectativa do contribuinte,
amparada no princípio da segurança jurídica, de ter consideradas na composição
do salário-de-benefício as melhores contribuições de todo o seu período
contributivo.

       5. A
partir de uma interpretação teleológica da regra transitória, aplica-se a regra
permanente do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário-de-benefício, quando mais favorável ao contribuinte. 6. Proposta de
tese de repercussão geral: Aplica-se a regra definitiva, prevista no art. 29, I
e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-de-benefício, quando mais
favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos
segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia
anterior à publicação da Lei 9.876/1999.

      
Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário e pela manutenção da tese
fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14/06/2021                                                                                                                      PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977
DISTRITO FEDERAL

V O T O

     O SENHOR
MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Os pressupostos de recorribilidade foram
atendidos. O recurso, subscrito por Procuradores Federais, foi protocolado no
prazo legal.

     Não
vinga o articulado pelo recorrido em relação à necessidade de exame de matéria
legal. Tem-se controvérsia de estatura maior, no que em jogo princípios
constitucionais atinentes à  Seguridade
Social. O Plenário Virtual assentou a envergadura constitucional e a
repercussão geral.

     No
tocante ao prequestionamento, a questão foi suficientemente abordada na origem.
O instituto pressupõe debate e decisão prévios do tema constante das razões do
recurso, independentemente de menção a dispositivos legais – recurso
extraordinário nº 128.519/DF, Pleno, de minha relatoria, acórdão publicado no
Diário da Justiça de 8 de março de 1991.

     De
início, quanto à evocação do artigo 97 da Lei Maior, a direcionar a atuação do
Tribunal Pleno ou do órgão especial que lhe faça as vezes, o Colegiado de
origem não incorreu em erro de procedimento. Limitou-se a apreciar a
controvérsia à luz da legislação de regência. Descabe confundir simples
interpretação de norma, à luz do caso concreto, com declaração de
inconstitucionalidade.

     Cumpre
ao Supremo definir a compatibilidade, ou não, com a Constituição Federal, do
direito de o segurado escolher o melhor benefício, considerada a mudança do
regime previdenciário promovida pela Lei nº 9.876/1999.

     Rememorem
o quadro jurídico retratado pelo Colegiado de origem. Tem-se beneficiário de
aposentadoria por tempo de contribuição, cujos requisitos foram implementados
na vigência da Lei nº 9.876/1999, concedida em 18 de junho de 2004, levando em
conta requerimento efetuado em 10 de outubro de 2003.

     Buscando
adequar-se à nova realidade social, marcada pela maior expectativa de vida dos
brasileiros, e garantir a austeridade da previdência social, implementou-se
forma de aferição do salário de benefício a alongar o período básico de
cálculo.

     Originalmente,
o artigo 29 da Lei nº 8.213/1991 1 estipulava a média aritmética simples de
todos os últimos salários de contribuição alusivos aos meses imediatamente
anteriores ao afastamento da atividade ou ao requerimento de aposentadoria, até
o máximo de trinta e seis, apurados em período não superior a quarenta e oito
meses.

     Por meio
da Lei nº 9.876/1999, estendeu-se o intervalo de cálculo para oitenta por cento
de todo o período contributivo. Ao fazê-lo, o legislador incluiu regra de
transição em favor daqueles que já eram filiados ao Regime Geral da Previdência
Social, quando da publicação do diploma, limitando o cômputo ao exercício de
1994. Eis o teor dos preceitos, no que interessam à solução da controvérsia:

                                          Lei
nº 8.213/1991:

      […] Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
(Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e
c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período
contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Incluído pela Lei nº
9.876, de 26.11.99)

II – para os benefícios de que tratam as alíneas a,
d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição
correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. (Incluído
pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

 

 

 

 

 

 

_________________________

1                                               “Art. 29. O
salário de benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos
salários de contribuição dos meses imediatamente anteriores ao de afastamento
da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta
e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.”

RE 1276977 / DF

                                                Lei nº 9.876/1999:

 

      […]
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data
de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a
concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do
salário-debenefício será considerada a média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de
todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994,
observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei nº 8.213, de
1991, com redação dada por esta Lei.

      Pretendeu-se amenizar os efeitos prejudiciais
do novo regime, no que alargado o tempo   a ser considerado, levando em conta as
oscilações inflacionárias ocorridas antes do Plano Real.

      Observem
o que consignado pelo Relator do projeto convertido na Lei nº 9.876/1999:

       O
Projeto de lei propõe a ampliação do período de base de cálculo, de forma a que
se utilize[m] todos os salários-decontribuição, tomando-se, como termo final, a
competência de julho de 1994. Contudo o art. 4º do Projeto de lei possibilita o
cômputo dos salários-de-contribuição apurados em um período até vinte por cento
superior ao número de meses decorridos desde julho de 1994. Ou seja, permite e,
conforme o caso, impõe a utilização de contribuições anteriores a julho de
1994, período que se sabe ser caracterizado por períodos de inflação elevada e
por diversos planos econômicos, com os mais variados índices e indicadores.

       O
nosso entendimento é de que o cômputo dos salários de contribuição deveria ser
realizado apenas a partir de julho de 1994, o que coincide com o período de
reduzidos níveis de inflação, com o Plano Real I. Isso permitiria minimizar
eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos
trabalhadores.

         De
outro lado, ao se exigir que todo o período contributivo seja considerado no
cálculo do benefício, estar-se-á prejudicando os segurados que não têm como
manter uma contribuição constante e uniforme durante toda a sua vida laboral.
Por isso, propomos flexibilizar a aplicação desse mecanismo, admitindo que
parte das contribuições vertidas pelo segurado não seja considerada no cálculo
do benefício, levando-se em conta apenas as de valor mais elevado. Assim,
propõe-se que somente os oitenta por cento maiores salários-de-contribuição
percebidos no período contributivo decorrido desde julho de 1994 seja utilizado
como base para o cálculo do valor do benefício. […]

    A regra
de transição não contempla com homogeneidade as situações individuais. Daí a
importância de recorrer-se ao intérprete do Direito para, observados os
princípios constitucionais, assegurar a teleologia da norma direcionada à
proteção dos segurados em face dos critérios mais restritivos decorrentes da
nova disciplina.

    Indaga-se:
Sob o ângulo da razoabilidade, seria legítima a imposição da regra de
transição, mais gravosa que a definitiva? A resposta é desenganadamente
negativa.

    Cumpre
reconhecer ao contribuinte a prevalência do critério de cálculo que lhe
proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico das
contribuições.

    Se os
recolhimentos mais vultosos foram realizados em período anterior a 1994,
pertinente é aplicar a regra definitiva de apuração do salário de benefício,
por ser vantajosa considerado aquele que se filiou antes da publicação da Lei
nº 9.876/1999.

    O enfoque
é consentâneo com o tratamento isonômico, ante as particularidades de cada
segurado. Entendimento em sentido contrário revelaria injusto discrímen em
relação aos filiados cujas altas contribuições se deram no começo da carreira
profissional.

    Como bem
apontado no parecer da Procuradoria-Geral da República, desconsiderar os
recolhimentos realizados antes da competência julho de 1994 contraria o direito
ao melhor benefício e a expectativa do contribuinte, amparada no princípio da
segurança jurídica, de ter levadas em conta, na composição do salário de
benefício, as melhores contribuições de todo o período considerado.

    Não há
falar em majoração de benefício sem contrapartida, tampouco ofensa ao
equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS. Ao contrário, o enfoque prestigia a
realidade dos fatos, uma vez que o afastamento da limitação temporal,
considerada a regra definitiva, permite alcançar recolhimentos efetivamente realizados.

    No caso
em análise, ausente o direito adquirido à aplicação da legislação anterior, no
que aperfeiçoados os requisitos para aposentadoria na vigência da Lei nº
9.876/1999, impõe-se a observância do regramento, tendo em conta o que for mais
favorável ao filiado entre a norma de transição ou definitiva.

    O
Supremo, no julgamento do recurso extraordinário nº 630.501, acórdão por mim
redigido, veiculado no Diário da Justiça eletrônico de 26 de agosto de 2013,
reconheceu o direito do segurado ao recebimento de prestação previdenciária
mais vantajosa entre aquelas cujos requisitos cumpre. Confiram a ementa do
pronunciamento:

                                  APOSENTADORIA
– PROVENTOS – CÁLCULO.                    

Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário,
pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao
implemento das condições legais. Considerações sobre o instituto do direito
adquirido, na voz abalizada da relatora – ministra Ellen Gracie –, subscritas
pela maioria. Desprovejo o recurso extraordinário. Eis a tese: “Na apuração do
salário de benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral da
Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/1999 e
implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do diploma, aplica-se
a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/1991,
quando mais favorável que a norma de transição”.

 

   Desprovejo
o recurso extraordinário.

   Eis a
tese: “Na apuração do salário de benefício dos segurados que ingressaram no
Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº
9.876/1999 e implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do
diploma, aplica-se a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da
Lei nº 8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição”.

 

 

 

 

 

 

 

PLENÁRIO

                                           EXTRATO
DE ATA

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977

PROCED. : DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL – INSS

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL
FEDERAL (00000/DF)

RECTE.(S) : VANDERLEI MARTINS DE
MEDEIROS

ADV.(A/S) : GISELE LEMOS
KRAVCHYCHYN (18200/SC, 356A/SE)

ADV.(A/S) : ANA CAROLINA ZANATTA
OLSEN (23111/SC)

ADV.(A/S) : NOA PIATA BASSFELD
GNATA (54979/PR)

RECDO.(A/S) : OS MESMOS INTDO.

(A/S) : INSTITUTO BRASILEIRO DE
DIREITO PREVIDENCIARIO (IBDP)

ADV.(A/S) : GISELE LEMOS
KRAVCHYCHYN (18200/SC, 356A/SE)

ADV.(A/S) : DIEGO MONTEIRO
CHERULLI (37905/DF, 27250/ES)

ADV.(A/S) : ICARO DE JESUS MAIA
CAVALCANTI (44610/DF)

INTDO.(A/S) : IEPREV NUCLEO DE
PESQUISA E DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS

ADV.(A/S) : JOAO OSVALDO BADARI
ZINSLY RODRIGUES (52023/PR, 158063/RJ, 279999/SP)

INTDO.(A/S) : FEDERAÇÃO NACIONAL
DOS SINDICATOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE, TRABALHO, PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL – FENASPS

ADV.(A/S) : LUIS FERNANDO SILVA
(9582/SC)

 

        Decisão: Após
o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que negava provimento ao recurso
extraordinário e propunha a fixação da seguinte tese (tema 1.102 da repercussão
geral): “Na apuração do salário de benefício dos segurados que ingressaram no
Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº
9.876/1999 e implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do
diploma, aplica-se a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da
Lei nº 8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição”, no que foi
acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski; e do voto do Ministro Nunes Marques, que dava provimento ao
recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) para, reformando o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça,
restabelecer integralmente a sentença de improcedência e propunha a seguinte
tese: “É compatível com a Constituição Federal a regra disposta no caput do
art. 3º da Lei 9.876/1999, que fixa o termo inicial do período básico de
cálculo dos benefícios previdenciários em julho de 1994″, no que foi
acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz
Fux (Presidente), pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes.
Falaram: pelo recorrente Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Dr.
Vitor Fernando Gonçalves Cordula, Procurador Federal; pelo recorrente Vanderlei
Martins de Medeiros, a Dra. Gisele Lemos Kravchychyn; pela interessada
Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho,
Previdência e Assistência Social – FENASPS, o Dr. Luís Fernando Silva; e, pelo
interessado Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, o Dr. Diego
Monteiro Cherulli. Plenário, Sessão Virtual de 4.6.2021 a 11.6.2021.

 

       Composição:
Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson
Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

 

 

 

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

 

 

VOTO-VOGAL

 

       O
SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES
: Senhora Presidente, o caso em exame vem do
Plenário Virtual, tendo sido apresentado relatório pelo eminente ministro Marco
Aurélio, hoje aposentado.

 

       Trata-se
de recurso extraordinário representativo (Tema n. 1.102) da sistemática da
repercussão geral, referente à “possibilidade de revisão de benefício
previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I
e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição
contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no
Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da Lei nº 9.876/99,
ocorrida em 26/11/99”.

 

       O
acórdão objeto do recurso excepcional foi proferido pela Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial n. 1.554.596/SC,
julgado pelo rito dos recursos especiais repetitivos, no qual se fixou a
seguinte tese: “Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei
8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a
regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que
ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à
publicação da Lei 9.876/1999.”

 

       O
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpôs o recurso extraordinário
com base no art. 102, III, “a”, da Carta da República. Aponta ofensa aos arts. 2º;
5º, caput; 97; 195, §§ 4º e 5º; e 201 da Lei Maior, bem como ao art. 26 da
Emenda Constitucional n. 103/2019, na parte em que “limitou o cálculo de
benefícios previdenciários aos salários de contribuição vertidos ao sistema a
partir de julho/1994”.

 

       Ao
fim, requer seja dado provimento ao recurso extraordinário, fixando-se tese “no
sentido da impossibilidade de se reconhecer ao segurado que ingressou na
Previdência antes da publicação da Lei 9.876/99 o direito de opção entre a
regra do art. 3º do mencionado diploma e a regra do art. 29, I e II, da Lei
8.213/91”.

 

       O
segurado apresentou contrarrazões, nas quais pugnou pelo não conhecimento do
recurso ou por seu desprovimento.

 

       Distribuído
na Corte e apresentado ao Plenário Virtual, o Colegiado reconheceu a existência
de repercussão geral da controvérsia e delimitou o tema a ser examinado neste
julgamento, a saber:

 

     

     Recurso
extraordinário. Previdenciário. Revisão de benefício. Cálculo do salário de
benefício. Segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até
a data de publicação da Lei nº 9.876/99. Aplicação da regra definitiva do art.
29, inc. I e II, da Lei nº 8.213/91 ou da regra de transição do art. 3º da Lei
nº 9.876/99. Presença de repercussão geral.

 

             A Procuradoria-Geral da República, ouvida,
opinou pelo desprovimento do recurso.

 

        O
feito esteve em julgamento virtual e agora nos vem para julgamento presencial,    haja vista o pedido de destaque feito por
mim em função da relevância da matéria.

 

         Essa
é a breve história do processo até aqui.

 

         Passo
ao voto
.

 

         Sem
embargo dos judiciosos fundamentos consignados pelo eminente Relator, peço
vênia para apresentar voto divergente, pois reputo relevantes as razões
recursais deduzidas pelo INSS.

 

         Em
primeiro lugar, observo que o acórdão recorrido provém da Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça, ou seja, de órgão fracionário da Corte.

 

         Aquele
Colegiado deferiu a segurado que já era filiado ao Regime Geral de Previdência
Social (RGPS) antes da publicação da Lei n. 9.876/1999 o cômputo de todo o
período contributivo, inclusive o anterior a julho de 1994, afirmando
ser-lhe inaplicável a expressa disciplina do art. 3º da Lei n. 9.876/1999
1
. Em vez da norma ali contida, invocou outra, a do art. 2º do mesmo diploma
legal, que alterou o art. 29 da Lei n. 8.213/1991 2 e se dirige a segurados
filiados ao RGPS após o advento da referida Lei n. 9.876/1999.

 

            Esse
seria um problema apenas de legalidade, de modo que o recurso extraordinário
não deveria nem sequer ser conhecido, não fosse a circunstância de a invocação
da norma do art. 2º da Lei n. 9.876/1999 ter ocorrido não por erro ou inadvertência,
mas por haver a Corte Superior assumido que o legislador ordinário andou mal
ao estabelecer uma regra de transição supostamente mais gravosa que a regra
permanente.

Assim, o STJ fez crítica à lei, naturalmente
sob o influxo de valores constitucionais que reputou agredidos pelo legislador,
o que é, nada mais, nada menos, verdadeiro controle de constitucionalidade.

 

          Com
efeito, o Superior Tribunal de Justiça reprovou a solução legislativa ao
entendimento de que o aludido dispositivo legal – art. 3º da Lei n. 9.876/1999
– não era compatível com os princípios constitucionais da contrapartida, da
isonomia e da razoabilidade. É certo que não é estranho àquela Corte o controle
de constitucionalidade das leis, mesmo no bojo de recurso especial, se a
controvérsia constitucional surge como antecedente lógico necessário à
deliberação da questão legal. Ocorre que, no caso, o Tribunal Superior, em vez
de devolver o conhecimento da matéria a sua Corte Especial, que deliberaria em
nome do Plenário, conforme expressamente previsto no art. 97 da Carta da
República, escolheu exercer verdadeiro controle difuso de constitucionalidade
por órgão fracionário inferior, em evidente infringência ao enunciado
vinculante n. 10 da Súmula, in verbis:

 

     Viola a
cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário
de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em
parte.

 

          A
tão só violação da cláusula de reserva de plenário constitui razão suficiente
para a cassação do acórdão recorrido, mas melhor sorte não socorre à pretensão
do recorrido também no mérito da questão.

 

          Antes
de tudo, é de ver-se que a tese exposta pelo recorrido, e acolhida pelo STJ,
repousa, em última análise, na ideia de isonomia. O autor (ora recorrido), que
caiu sob a incidência do art. 3º da Lei n. 9.876/1999 por ser filiado ao RGPS
antes da vigência desse diploma legal, pretende ver a si aplicada a regra do
art. 29 da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pelo art. 2º da Lei n.
9.876/1999, ao argumento de que a situação criada por essa última para os novos
segurados seria mais vantajosa, embora claramente não tenha sido direcionada a
ele, recorrido, tampouco aos segurados em situação idêntica.

 

          Sucede
que o verbete vinculante n. 37 da Súmula veda a invocação do princípio da
isonomia como fundamento jurisdicional para a majoração de vencimentos de
servidores públicos. Em caráter análogo, as razões de decidir daquele
entendimento vinculante vêm sendo aplicadas à pretensão de incremento de
benefícios previdenciários – como na hipótese dos autos: AI 467.458 AgR,
ministro Joaquim Barbosa; RE 597.389 RG-QO, ministro Gilmar Mendes; e RE-567.360
ED, ministro Celso de Mello.

 

         
Para além disso, não há fundamento que sustente a tese de mérito
deduzida na inicial, nem mesmo sob a perspectiva da isonomia.

 

         A
fim de se ter uma visão global da questão jurídica em debate, a cronologia das
normas de cálculo do salário de contribuição pode ser resumida, para não se
retroagir muito, em três momentos diferentes:

 

1) Regra histórica (sucessão de leis ao longo das
décadas, especialmente a partir dos anos 1980): o salário de contribuição era
calculado pela média das últimas 36 (trinta e seis) contribuições do segurado,
em intervalo não superior a 48 (quarenta e oito) meses;

 

2) Regra permanente da Lei n. 9.876/1999, a qual o
autor quer ver aplicada a si (prevista no art. 29 da Lei n. 8.213/1991, na
redação dada pela de n. 9.876/1999): editada já sob a vigência do Plano Real,
determina o cômputo de 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo;
e

 

3) Regra de transição da Lei n. 9.876/1999
(estabelecida no caput do art. 3º da Lei n. 9.876/1999 para os segurados que
fossem filiados ao RGPS de 28 de novembro de 1999 para trás): permite que o
segurado compute 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo –
limitado, porém, a julho de 1994.

 

 

 

       Há uma falsa premissa no argumento do
pronunciamento recorrido, com todas as vênias. Ele    pressupõe que a nova regra é mais vantajosa
para os novos segurados (pós-1999) por incluir todo o período contributivo.
Todavia, quando se mira a história da evolução legislativa do cálculo dos
benefícios previdenciários, observa-se que o aumento do Período Básico de
Cálculo (PBC) sempre foi uma forma de reduzir os benefícios, e não de
aumentá-los. Basta ler o acórdão prolatado pelo Supremo na ADI 2.110 MC,
julgada em 16 de março de 2000.

 

       Pode-se
constatar essa verdade também ao se notar que as reformas constitucionais e
legislativas, todas elas, que vieram para enxugar os gastos da Previdência,
sempre aumentaram o Período Básico de Cálculo (PBC). Em 1960, por exemplo, o
PBC abrangia apenas os últimos 12 salários de contribuição – art. 23 da Lei n.
3.807/1960, Lei Orgânica da Previdência Social (Lops). Hoje, como visto, o PBC
considera 80% dos salários de contribuição de todo o período contributivo.
Sabe-se, ademais, que a regra de 1960 era muito mais favorável ao segurado.
Logo, não é verdade que a ampliação do PBC representa sempre regra mais
favorável.

 

       A
razão é muito simples: os trabalhadores naturalmente tendem a ter salários
maiores na fase mais madura da vida, e não no começo de carreira profissional,
de sorte que, em tese, considerar todo o período contributivo será, na prática,
incluir no cálculo as primeiras e presumivelmente menores remunerações do
segurado no cálculo do benefício.

 

      Excepcionalmente,
aqui e ali, haverá um trabalhador com altos salários no início da trajetória
laboral e menores remunerações adiante. Mas isso é raro. O normal é o
trabalhador auferir maiores ganhos quando está mais velho e com mais tempo de
serviço.

 

        Creio que é preciso deixar este ponto muito
bem-enfatizado: eventual revisão deferida   nestes autos deverá alcançar um grupo
relativamente reduzido de segurados que preencham as seguintes condições:

 

1ª) estarem filiados ao RGPS em 28 de novembro de
1999, isto é, antes da publicação da Lei n. 9.876/1999;

2ª) terem contribuições previdenciárias anteriores
a julho de 1994; e

3ª) estarem enquadrados em situação na qual o
número correspondente à média aritmética simples dos maiores salários de
contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período
contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, seja menor
que
a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição
correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

 

Então, não são beneficiários do entendimento
firmado no acórdão recorrido: (i) aqueles que não eram filiados ao RGPS em
novembro de 1999; ou que, (ii) embora o fossem, não tenham vertido
contribuições substanciais antes de julho de 1994.

É dizer, a nova regra, do art. 2º da Lei n.
9.876/1999, não é mais favorável no atacado. Ela, na verdade, tende a ser muito
menos favorável para o segurado, tanto mais porque veio acompanhada do fator
previdenciário. Por isso mesmo, é norma com eficácia ex nunc, já que se aplica
apenas aos trabalhadores que ingressaram no RGPS após 28 de novembro de 1999.
Ora, quem ingressou depois dessa data automaticamente está além de 1994; ipso
facto não faz sentido dizer que, para essas pessoas, não serão considerados os
salários de contribuição anteriores a julho de 1994 – se elas entraram em 1999
ou mais adiante, então obviamente não terão contribuições pré-1994.

Aqueles que, como o recorrente, estão no RGPS desde
antes de 28 de novembro de 1999 pretendem, na verdade, extrair uma
retroatividade não prevista em lei, sob o argumento da isonomia. Entretanto não
há isonomia alguma nessa interpretação. Os que ingressaram depois de 1999 terão
o PBC todo dentro do Plano Real; os que ingressaram antes pretendem usar a
regra posterior para que se computem salários de contribuição pré-Plano Real.
Isso não é isonomia, data venia, mas, sim, interpretação casualmente
interessante para alguns segurados que se acham em posição bastante peculiar –
aqueles que, ao longo da vida laboral, tiveram maiores salários no começo e não
no fim do PBC.

Vale ressaltar que o marco da entrada em vigor do
Plano Real não foi escolhido por acaso pelo legislador de 1999. A questão foi a
estabilização da economia, a qual dependia fundamentalmente do processo de
desindexação dos preços. Era preciso zerar o jogo econômico, eliminando as
recíprocas influências de aumentos de preços, salários, aluguéis, benefícios
etc. que alimentavam o looping inflacionário.

A ampliação do Período Básico de Cálculo (PBC)
promovida pela Lei n. 9.876/1999 respeitou esse marco (Plano Real), tanto para
os que já eram filiados ao RGPS na data de sua edição, como para os que vieram
a se filiar depois. A regra de transição mostrava-se necessária considerados os
trabalhadores antigos porque eles tinham, de fato, contribuições anteriores a
1994; quanto aos novos (pós-1999), era despiciendo mencionar que não se
considerariam contribuições anteriores a 1994, afinal eles não tinham, por
óbvio, tais contribuições. É desse aparente “esquecimento” do legislador – na
verdade, apenas decorrência de uma regra lógica trivial implícita – que o
recorrente pretende extrair a suposta isonomia.

Observo, ainda, que, entre julho de 1994 (Plano
Real) e novembro de 1999 (Lei n. 9.876/1999), há mais de 36 (trinta e seis)
meses (PBC antigo), a regra de transição não piorou em nada a situação dos que
já eram segurados da previdência em 1999.

A pretensão de projetar-se o período contributivo
para aquém de julho de 1994 não encontra amparo em nenhum diploma legal
específico (nem mesmo no art. 2º da Lei n. 9.876/1999, o qual se dirige a quem
entrou no RGPS depois de 1999), senão na mera (e infundada) tese de
inconstitucionalidade do marco temporal estabelecido na norma de transição.

Resssalto, a propósito, que a alegação de
inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da Lei n. 9.876/1999 já foi rechaçada
pelo Supremo no julgamento da medida cautelar na ADI 2.111.

Em adição, importa ter presente que a retroação do
PBC para aquém daquele limite temporal e econômico (Plano Real) se revela
violadora, ela sim, do princípio da razoabilidade. O dispositivo impugnado –
parte final do caput do art. 3º da Lei n. 9.876/1999 – tem o seguinte teor:

 

 

Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência
Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as
condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, no cálculo do salário-debenefício será considerada a média
aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no
mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a
competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do
art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

 

A limitação temporal estipulada no art. 3º da Lei
n. 9.876/1999 se apresenta uma opção legislativa que teve como razão de ser o
razoável escopo de evitar dificuldades operacionais intransponíveis causadas
pelo cômputo de contribuições previdenciárias anteriores à implementação do
Plano Real – período notoriamente conhecido pela instabilidade econômica, pelos
frágeis registros das contribuições, pelas inúmeras dificuldades
administrativas de recuperação das informações de maneira fidedigna.

Tudo isso tornava precário o equilíbrio atuarial
projetado no médio e no longo prazo. Tanto assim que a Emenda Constitucional n.
103/2019 trouxe, em seu art. 26, a previsão de que a competência de julho de
1994 seria igualmente adotada como a referência mais remota do cálculo do
período contributivo, até que lei ordinária viesse a disciplinar o assunto, in
verbis:

 

Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos
benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral
de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários
de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a
regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social,
ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que
tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente,
correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a
competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior
àquela competência.

 

Isso quer dizer que as normas impugnadas (arts. 2º
e 3º da Lei n. 9.876/1999) não apenas foram declaradas constitucionais por esta
Corte (no julgamento da ADI 2.111 MC), como foram, elas mesmas, incorporadas ao
texto da Constituição pelo poder reformador.

Parece bastante exagerado, com a devida vênia, afastar todo esse arcabouço
normativo e jurisdicional a fim de criar tese nova, a projetar uma retroatividade
normativa que pode atingir mais de três décadas
, imprevista pelo legislador
e, de resto, ressuscitando antigos fantasmas econômicos que felizmente já
superamos.

 

Entre outras incongruências, o acolhimento da tese
autoral produziria ainda a anti-isonômica situação da coexistência de dois
formatos distintos para a mesma categoria de segurados filiados antes de
novembro de 1999: um modelo mais restritivo, com período contributivo limitado
à média de 36 (trinta e seis) contribuições em um intervalo não superior a 48
(quarenta e oito) meses; e outro, bem mais benéfico e complacente, contemplando
as contribuições vertidas ao longo de todo o período contributivo, apenas para
resolver situações particulares que não têm representatividade para justificar
o revolvimento de todo o esquema atuarial projetado pelas inúmeras reformas da
previdência.

 

Tampouco o princípio da contrapartida, invocado
como um dos fundamentos do acórdão recorrido, encontra amparo na Constituição Federal.
Ao contrário, o caráter contributivo da previdência social, expressamente
previsto no caput do art. 201 do Texto Constitucional, não pressupõe a
necessária correspondência entre as contribuições vertidas e o benefício que
virá a ser pago. Nesse sentido, entre muitos outros, o seguinte precedente
desta Corte: RE 430.418 AgR, ministro Roberto Barroso.

O sistema previdenciário brasileiro não é de
capitalização, em que há perfeito sinalagma entre as contribuições e o valor
dos benefícios. Como se sabe, o sistema previdenciário nacional cobre algumas
situações nas quais inclusive não é preciso comprovar contribuição direta ao
sistema, caso dos segurados especiais. Em outras hipóteses, como a dos
benefícios não programados (pensão por morte e aposentadoria por invalidez, por
exemplo), muitas vezes o segurado ou seu dependente recebe bem mais do que contribuiu.

 

Portanto, o vínculo de proporcionalidade
entre o histórico de contribuições recolhidas e o benefício efetivamente pago,
invocado no acórdão proferido pelo órgão fracionário inferior do Superior
Tribunal de Justiça, também não encontra qualquer fundamento.

 

Aqui, gostaria de ressaltar um ponto importante:
estamos hoje testemunhando profundas transformações no mercado de trabalho em
razão do advento das novas tecnologias da informação e da comunicação, as quais
têm criado arranjos econômicos inéditos. Muitos jovens que hoje estão
trabalhando em situações precárias, como os chamados motoristas e entregadores
“de aplicativo”, e outros trabalhadores autônomos ligados entre si por
algoritmos, não contam com cobertura previdenciária alguma. Enquanto isso, a
revisão ora discutida abrange um grupo de segurados já cobertos pela
previdência, alguns até acima da média. Assim, o deferimento da medida
produzirá impactos relevantes sobre o sistema, certamente dificultando a
absorção de novos segurados, especialmente dos jovens a que me referi, os
quais, daqui a 30 ou 35 anos,
permanecerão
à margem de qualquer proteção previdenciária mínima.

 

Não custa lembrar que o acolhimento do pedido
implicaria vultoso impacto econômico, a ser suportado pela autarquia
previdenciária num primeiro momento – e, posteriormente, pelos novos segurados,
em sucessivas reformas previdenciárias que decerto se mostrariam necessárias. A
Constituição (art. 201, caput) impõe o equilíbrio atuarial como elemento
fundamental de toda a estrutura do Regime Geral de Previdência Social, e isso
não pode ser perdido de vista na aplicação das normas constitucionais desse
específico campo da institucionalidade brasileira.

 

Dados reunidos neste processo sinalizam despesa na
ordem de 46,4 bilhões de reais apenas para quitar o passivo decorrente
das aposentadorias por tempo de contribuição no período de 2015 a 2029 (Nota
Técnica n. 4921/2020 da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia).
Tal valor seria substancialmente incrementado com o pagamento dos acréscimos
incidentes sobre a pensão por morte e as aposentadorias por invalidez e por
idade.

 

Do acolhimento da revisão ora pleiteada também
decorreria impacto administrativo relevante. Embora o grupo dos realmente
beneficiados pela decisão não seja, imagino, tão grande assim, o certo é que se
estima em dezenas de milhões de pedidos administrativos de revisão, muitos dos
quais não teriam embasamento, mas precisariam de resposta. Isso tem potencial
de colapsar o atendimento do INSS.

 

Outro ponto que merece ponderação, em termos
práticos, cogitando-se ser a decisão favorável aos segurados, diz respeito à
circunstância de as remunerações anteriores a 1994 não estarem bem documentadas
na previdência, por várias razões (tecnologias obsoletas da época, ausência de
mecanismos eficientes de tratamento de dados, níveis baixos de exigências
formais etc.). O quadro pode implicar uma avalanche de ações judiciais voltadas
a discutir a prova da existência ou não do direito à revisão, caso a caso, cujo
custo provavelmente multiplicaria, em muito, o impacto esperado pela revisão em
si.

 

Por fim – e este é um ponto que considero de grande
importância –, não se deve menosprezar o efeito de uma possível decisão
favorável sobre a inflação do país. É que as remunerações anteriores a 1994
(ano do implemento do Plano Real), ao serem corrigidas para os dias de hoje,
trarão embutidos os altos índices inflacionários daqueles anos de descontrole
dos preços, o que recrudesceria um fantasma que considerávamos extinto.

 

Ao amparo desse conjunto de razões, reiterando as
vênias ao eminente Ministro Relator, apresento voto divergente, porquanto, seguindo
o que decidiu o Supremo
no julgamento da ADI 2.111, entendo
compatível com a Constituição Federal o caput do art. 3º da Lei n. 9.876, de 26
de novembro de 1999, sobretudo considerados os princípios da isonomia e da
razoabilidade.

 

Do exposto, dou provimento ao recurso
extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para,
reformando o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, restabelecer
integralmente a sentença de improcedência.

 

Proponho a seguinte tese de repercussão geral: “A
regra definitiva do art. 29, I e II, da Lei n. 8.213/1991, na redação dada pela
Lei n. 9.876/1999, aplica-se apenas aos segurados que ingressaram no Regime
Geral de Previdência Social (RGPS) após a publicação desse último diploma
legal, ocorrida em 29 de novembro de 1999.”

 

 

 

É como voto.

 

 

 

 

PLENÁRIO

 

EXTRATO DE ATA

 

RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 1.276.977

PROCED. :
DISTRITO FEDERAL

RELATOR :
MIN. MARCO AURÉLIO

REDATOR
DO ACÓRDÃO :MIN. ALEXANDRE DE MORAES

RECTE.(S)
: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS

PROC.(A/S)(ES)
: PROCURADOR-GERAL FEDERAL (00000/DF)

RECTE.(S)
: VANDERLEI MARTINS DE MEDEIROS

ADV.(A/S)
: GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN (52057/PR, 18200/SC, 356A/SE)

ADV.(A/S)
: ANA CAROLINA ZANATTA OLSEN (23111/SC)

ADV.(A/S)
: NOA PIATA BASSFELD GNATA (54979/PR)

RECDO.(A/S)
: OS MESMOS

INTDO.(A/S)
: INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIARIO (IBDP)

ADV.(A/S)
: GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN (52057/PR, 18200/SC, 356A/SE)

ADV.(A/S)
: DIEGO MONTEIRO CHERULLI (37905/DF, 27250/ES)

ADV.(A/S)
: ICARO DE JESUS MAIA CAVALCANTI (44610/DF) INTDO.

(A/S) :
IEPREV NUCLEO DE PESQUISA E DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS

ADV.(A/S)
: JOAO OSVALDO BADARI ZINSLY RODRIGUES (52023/PR, 158063/RJ, 279999/SP) E
OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S)
: FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE, TRABALHO,
PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL – FENASPS

ADV.(A/S)
: LUIS FERNANDO SILVA (9582/SC)

 

Decisão: Após
o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que negava provimento ao recurso
extraordinário e propunha a fixação da seguinte tese (tema 1.102 da repercussão
geral): “Na apuração do salário de benefício dos segurados que ingressaram no
Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº
9.876/1999 e implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do
diploma, aplica-se a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da
Lei nº 8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição”, no que foi
acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski; e do voto do Ministro Nunes Marques, que dava provimento ao
recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) para, reformando o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça,
restabelecer integralmente a sentença de improcedência e propunha a seguinte
tese: “É compatível com a Constituição Federal a regra disposta no caput do
art. 3º da Lei 9.876/1999, que fixa o termo inicial do período básico de
cálculo dos benefícios previdenciários em julho de 1994″, no que foi
acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz
Fux (Presidente), pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes.
Falaram: pelo recorrente Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Dr.
Vitor Fernando Gonçalves Cordula, Procurador Federal; pelo recorrente Vanderlei
Martins de Medeiros, a Dra. Gisele Lemos Kravchychyn; pela interessada
Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho,
Previdência e Assistência Social – FENASPS, o Dr. Luís Fernando Silva; e, pelo
interessado Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, o Dr. Diego
Monteiro Cherulli. Plenário, Sessão Virtual de 4.6.2021 a 11.6.2021.

 

Decisão:
(processo destacado do Plenário virtual). Após lançado o voto do Ministro Marco
Aurélio (Relator), no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário e
propor a fixação da seguinte tese (tema 1.102 da repercussão geral): “Na
apuração do salário de benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral
da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/1999 e
implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do diploma,
aplica-se a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº
8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição”, conforme
consignado na ata da sessão virtual do Plenário de 4.6.2021 a 11.6.2021, e de
acordo com o decidido pela Corte na QO ADI 5.399, em que se apreciou o cômputo
de voto de ministro que se afasta por aposentadoria; e do voto do Ministro
Nunes Marques, que destacara o feito no plenário virtual, no sentido do
provimento do recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) para, reformando o acórdão prolatado pelo Superior
Tribunal de Justiça, restabelecer integralmente a sentença de improcedência, o
julgamento foi suspenso. Falaram: pelo recorrente Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS, o Dr. Miguel Cabrera Kauam, Procurador-Geral Federal; pelo recorrente
Vanderlei Martins de Medeiros, a Dra. Gisele Lemos Kravchychyn; pelo
interessado Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, o Dr. Diego
Monteiro Cherulli; pelo interessado Instituto de Estudos Previdenciários –
IEPREV (Núcleo de Pesquisa e Defesa dos Direitos Sociais), o Dr. João Osvaldo
Badari Zinsly Rodrigues; pela interessada Federação Nacional dos Sindicatos de
Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social- FENASPS, o
Dr. Luis Fernando Silva; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio
Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Não participou o
Ministro André Mendonça, sucessor do Relator. Presidência da Ministra Rosa
Weber. Plenário, 30.11.2022.

 

 

Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber.
Presentes à sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski,
Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre
de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça.

 

 

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto
Brandão de Aras.

 

 

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

 

 

 

01/12/2022                                                                                      PLENÁRIO

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977
DISTRITO FEDERAL

 

 

V O T O

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR):

 

 Cumprimento
Vossa Excelência, Ministra Rosa Weber, a Ministra Cármen Lúcia, os Ministros, o
Procurador-Geral da República, Doutor Augusto Aras, os estudantes de Direito
presentes no Plenário, da Universidade Anhanguera, de Taboão da Serra, Estado
de São Paulo.

Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em
face de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em que se discute
o Tema 1102 da repercussão geral:

 

“Possibilidade de revisão de benefício
previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I
e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição
contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no
Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da referida Lei nº
9.876/99, ocorrida em 26/11/99.”

 

Na origem, VANDERLEI MARTINS MEDEIROS ajuizou ação
de revisão de benefício previdenciário em face do Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS, buscando a revisão de seu benefício de aposentadoria, a fim de
que seja computada no cálculo da sua renda mensal inicial a média dos salários
de contribuição referentes a todo o período contributivo, conforme a nova
redação do art. 29 da Lei 8.213/1991, e não somente aqueles vertidos após julho
de 1994, como determina a regra de transição do art. 3º da Lei 9.876/1999.

Por esta última norma, o cálculo do salário de
benefício é limitado a 80% das maiores contribuições relativas, unicamente, ao
período posterior a julho de 1994.

 

Argumenta que, como o art. 29 da Lei 8.213/1991 (na
redação da Lei 9.876/1999) – que prevê o cálculo do salário de benefício com
base nas 80% maiores contribuições de todo o período contributivo -, já estava
em vigor no momento da concessão de sua aposentadoria, tem o direito de optar
pela aplicação dessa norma, que lhe propicia um benefício previdenciário mais
favorável.

Por fim, pleiteia a condenação do INSS

 

(a) “a revisar o seu benefício, “de forma que o
cálculo seja efetuado computando-se os salários referentes a todo o período
contributivo e não apenas aqueles vertidos após Julho de 1994, com eventual
observância ao consignado no Art. 21, § 3º da Lei de Benefícios e no RE 564.354
(novo teto do regime geral de previdência), em regime de repercussão geral pelo
STF”; e (b) “ao pagamento das diferenças verificadas desde a concessão do
benefício, acrescidas de correção monetária a partir do vencimento de cada
prestação até a efetiva liquidação, respeitada a prescrição quinquenal, valores
esses corrigidos monetariamente na forma de atualização prevista pela
legislação pertinente. ”

 

Colhe-se do contexto fático delineado nos autos que
o segurado, ora recorrido, estava filiado ao RGPS desde 1976, e o benefício de
sua aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em 18/6/2004, com DIB
(data do início do benefício) em 1º/10/2003.

O cálculo da renda inicial foi feito conforme as
regras de transição (art. 3º da Lei 9.876/1999), o que resultou em proventos de
aposentadoria no valor de R$ 1.493,00.

Se fosse considerado todo o seu histórico
contributivo, consoante determina a regra definitiva (atual redação do art. 29,
I, da Lei 8.213/1991), o segurado faria jus à quantia de R$ 1.823,00. Ou seja,
de 1976 (data da filiação ao RGPS) a 2003 (data do início do benefício de
aposentadoria) decorreram 28 anos; sendo que, de 1976 a 1994 (marco de
retroação da regra transitória), passaram-se 19 anos, e desta última data
(1994) a 2003, fluíram 9 anos.

Grosso modo, pela regra de transição, somente as
maiores 80% contribuições vertidas nesses 9 anos são computadas para o cálculo
do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição.

Pela regra definitiva, as contribuições vertidas ao
longo de todo o período contributivo (1976 a 2003) são consideradas para o
cálculo da renda inicial do benefício de aposentadoria.

O pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de
inexistir direito adquirido à aplicação da legislação anterior, de modo que o
cálculo da RMI (renda mensal inicial) do benefício deveria observar a regra de
transição disposta na lei nova (fl. 99, Vol. 10).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com base
na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento à apelação
para manter a sentença, reconhecendo a aplicabilidade da regra de transição,
nos termos da seguinte ementa (Vol. 2, fls. 20-22):

 

“PREVIDENCIÁRIO. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL DO
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ART. 3º LEI 9.876/99. SEGURADOS QUE JÁ ERAM FILIADOS
AO RGPS NA DATA DA PUBLICAÇÃO DA LEI 9.876/99. LIMITAÇÃO DOS
SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO A SEREM UTILIZADOS NA APURAÇÃO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO
A JULHO DE 1994.

1. A Lei 9.876/99 criou o denominado fator
previdenciário e alterou a forma de cálculo da renda mensal inicial dos
benefícios previdenciários, prestando-se seu artigo 3º a disciplinar a passagem
do regime anterior, em que o salário-de benefício era apurado com base na média
aritmética dos últimos 36 salários-de-contribuição, apurados em um período de
até 48 meses, para o regime advindo da nova redação dada pelo referido diploma
ao artigo 29 da Lei 8.213/91.

2. A redação conferida pela Lei 9.876/99 ao artigo
29 da Lei 8.213/91, prevendo a obtenção de salário-de-benefício a partir de
‘média aritmética simples dos maiores salários-de contribuição correspondentes
a oitenta por cento de todo o período contributivo’ não implicou necessariamente
agravamento da situação em relação à sistemática anterior. Tudo dependerá do
histórico contributivo do segurado, pois anteriormente também havia limitação
temporal para a apuração do período básico de cálculo (isso sem considerar, no
caso das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, a incidência do
fator previdenciário, que poderá ser negativo ou positivo).

3. Desta forma, o ‘caput’ do artigo 3º da Lei
9.876/99 em rigor não representou a transição de um regime mais benéfico para
um regime mais restritivo. Apenas estabeleceu que para os segurados filiados à
previdência social até o dia anterior à sua publicação o período básico de
cálculo a ser utilizado para a obtenção do salário-de-benefício deve ter como
termo mais distante a competência julho de 1994. Ora, na sistemática anterior,
os últimos salários-de-contribuição eram apurados, até o máximo de 36 (trinta e
seis), em período não-superior a 48 (quarenta e oito) meses. Um benefício
deferido em novembro de 1999, um dia antes da publicação da Lei 9.876/99,
assim, teria PBC com termo mais distante em novembro de 1995. A Lei nova,
quanto aos que já eram filiados, em última análise ampliou o período básico de
cálculo. E não se pode olvidar que limitou os salários-de-contribuição aos 80%
maiores verificados no lapso a considerar, de modo a mitigar eventual impacto
de contribuições mais baixa.

4. Quanto aos segurados que não eram filiados à
previdência na data da publicação da Lei 9.876/99, simplesmente será aplicada a
nova redação do artigo 29 da Lei 8.213/91. E isso não acarreta tratamento mais
favorável ou detrimentoso em relação àqueles que já eram filiados. Isso pelo
simples fato de que para aqueles que não eram filiados à previdência na data da
publicação da Lei 9.876/99 nunca haverá, obviamente, salários-de-contribuição
anteriores a julho de 1994 e, mais do que isso, anteriores a novembro de 1999,
a considerar.

5. Sendo este o quadro, o que se percebe é que: (i)
a Lei 9.876/99 simplesmente estabeleceu um limite para a apuração 
do salário-de-benefício em relação àqueles que já
eram filiados na data de sua publicação, sem agravar a situação em relação à
legislação antecedente, até porque limite já havia anteriormente (máximo de 48
meses contados do afastamento da atividade ou da data da entrada do
requerimento); (ii) quanto aos que não eram filiados na data da sua publicação,
a Lei 9.876/99 não estabeleceu limite porque isso seria absolutamente inócuo,
visto nesta hipótese constituir pressuposto fático e lógico a inexistência de
contribuições anteriores à data de sua vigência, e, ademais, não teria sentido
estabelecer a limitação em uma norma permanente (no caso o art. 29 da LB).

     6. Em
conclusão, com o advento da Lei 9.876/99 temos três situações possíveis para
apuração da renda mensal inicial, as quais estão expressamente disciplinadas:
a) casos submetidos à disciplina do art. 6o da Lei 9.876/99 c.c. art. 29 da Lei
8.213/91, em sua redação original – segurados que até o dia anterior à data de
publicação da Lei 9.876/99 tenham cumprido os requisitos para a concessão de
benefício segundo as regras até então vigentes (direito adquirido): terão o
salário-de- benefício calculado com base na média aritmética simples de todos
os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do
afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de
36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito)
meses;

b) Casos submetidos à disciplina do art. 3o da Lei
9.876/99  – segurados que já eram
filiados ao RGPS em data anterior à publicação da Lei 9.876/99 mas não tinham
ainda implementado os requisitos para a concessão de benefício previdenciário:
terão o salário-de-benefício calculado com base na média aritmética simples dos
maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por
cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de
1994, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de benefício) pelo fator
previdenciário; c) Casos submetidos à nova redação do artigo 29 da Lei 8.213/91-
segurados que se filiaram ao RGPS após a publicação da Lei 9.876/99: terão o salário-de-benefício
calculado com base na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período
contributivo, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de benefício)
pelo fator previdenciário.

     7.Não
procede, assim, a pretensão de afastamento da limitação temporal a julho/94 em
relação aos segurados que já eram filiados ao RGPS na data da publicação da Lei
9.876/99.

Precedentes do STJ (AgRg/REsp 1065080/PR, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO; REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI; REsp
1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA; AREsp 178416, Relator
Ministro HERMAN BENJAMIN; REsp 1455850, Relator Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES; REsp 1226895, Relator Ministro OG FERNANDES; REsp 1166957, Relatora
Ministra LAURITA VAZ; REsp 1019745, Relator Ministro FELIX FISCHER; REsp
1138923, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE; REsp 1142560, Relatora Ministra
ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE)”

 

 

   Opostos
Embargos de Declaração, foram rejeitados (Vol. 2, fl. 44 ).

   Irresignado,
o segurado, ora recorrido, interpôs simultaneamente

Recurso Extraordinário e Recurso Especial, ambos
inadmitidos na instância de origem (fl. 102/107, Vol. 2).

Sobrevieram os correspondentes agravos, com a
subsequente remessa do processo ao Superior Tribunal de Justiça.

No STJ, converteu-se o agravo em Recurso Especial,
o qual foi submetido ao rito dos recursos repetitivos, com a suspensão dos
processos em todo território nacional, inclusive aqueles em trâmite nos
Juizados Especiais (fl. 139/155, Vol. 2).

Em seguida, a Primeira Seção do Superior Tribunal
de Justiça, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial do segurado.

O acordão recebeu seguinte ementa (fls. 97-98, Vol.
4):

 

“PREVIDENCIARIO. RECURSO ESPECIAL AFETADO

 AO RITO DOS
REPETITIVOS. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISAO DE BENEFÍCIO.

SOBREPOSIÇAO DE NORMAS. APLICAÇAO DA REGRA
DEFINITIVA PREVISTA NO ART. 29, I E II, DA LEI 8.213/1991, NA APURAÇAO DO
SALÁRIO DE BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORAVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇAO CONTIDA
NO ART. 3o DA LEI 9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO SISTEMA ANTES DE
26.11.1999 (DATA DE EDIÇAO DA LEI 9.876/1999). CONCRETIZAÇAO DO DIREITO AO
MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL
DO SEGURADO PROVIDO.

     1. A Lei
9.876/1999 implementou nova regra de cálculo, ampliando gradualmente a base de
cálculo dos benefícios que passou a corresponder aos maiores salários de
contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo do Segurado.

     2. A
nova legislação trouxe, também, uma regra de transição, em seu art. 3o,
estabelecendo que no cálculo do salário de benefício dos Segurados filiados à
Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta lei, o período
básico de cálculo só abarcaria as contribuições vertidas a partir de julho de
1994.

     3. A
norma transitória deve ser vista em seu caráter protetivo. O propósito do
artigo 3o da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer regras de
transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de forma
abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.

     4. Nesse
passo, não se pode admitir que tendo o Segurado vertido melhores contribuições
antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no
momento da concessão de seu benefício, sem analisar as consequências da medida
na apuração do valor do benefício, sob pena de infringência ao princípio da
contrapartida.

     5. É
certo que o sistema de Previdência Social e regido pelo princípio contributivo,
decorrendo de tal princípio a necessidade de haver, necessariamente, uma
relação entre custeio e benefício, não se afigurando razoável que o Segurado verta
contribuições e não possa se utilizar delas no cálculo de seu benefício.

     6. A
concessão do benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência
da condição mais vantajosa ou benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do
STF e do STJ. Assim, e direito do Segurado o recebimento de prestação previdenciária
mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando,
consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a
maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas contribuições.

     7. Desse
modo, impõe-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra definitiva
prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de
benefício, quando se revelar mais favorável do que a regra de transição contida
no art. 3°. da Lei 9.876/1999, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais.
Afinal, por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a regra de transição
não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva.

     8. Com
base nessas considerações, sugere-se a fixação da seguinte tese: Aplica-se a
regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida
no art. 3o da Lei 9.876/1999, aos Segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência
Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.

     9.
Recurso Especial do Segurado provido.”

 

  Insatisfeito,
o INSS interpôs o presente Recurso Extraordinário (Vol. 4, fls. 212-241), com
amparo no artigo 102, III, “a”, da CF/1988, em que alega violação aos artigos
arts. 2o; 5o, caput; 97; 195, §§ 4o e 5o; e 201 da Constituição Federal, bem
como ao art. 26 da EC 103/2019, pois “o acórdão recorrido – ao reconhecer
aos segurados que ingressaram na Previdência Social até o dia anterior à publicação
da Lei 9.876/99 o direito de opção, na apuração do seu salário-de-benefício,
entre a regra de ‘transição’ estabelecida no art. 3o da Lei 9.876/99 e a regra
‘definitiva’ estabelecida no art. 29, I e II, da Lei 8.213/91 – fez má
aplicação” dos aludidos dispositivos constitucionais (fl. 218, Vol. 4).

 Para tanto,
sustenta que:

 

     (a) o
acórdão afastou o art. 3o da Lei 9.876/1999, por considerá-lo incompatível com
a Constituição, o que equivale à declaração de sua inconstitucionalidade. Com
isso afrontou à cláusula de reserva de Plenário (Súmula vinculante 10);

     (b) a
única regra legal aplicável ao cálculo de todos os segurados, sejam eles
filiados ao RGPS antes ou após a vigência da Lei 9.876/1999, é aquela que
limita o cômputo para aposentadoria apenas às contribuições vertidas a partir
de julho de 1994, “os primeiros, por expresso imperativo legal; os últimos, por
consequência lógica da filiação ocorrida após 1999”. Desse modo, não há que se
falar em inclusão do período contributivo anterior a tal marco temporal;

     (c)
“apenas os segurados destinatários da norma do artigo 3o da Lei no 9.876/1999,
ou seja, que estavam filiados ao RGPS quando da entrada em vigor da lei em
referência, poderão, sob a ótica do STJ, possuir esse tratamento de cômputo de
salários de contribuição anteriores a julho de 1994, com verdadeira subversão
do princípio da isonomia” (fl. 228 ,Vol. 4);

     (d) a
desconsideração da regra de transição para a apuração do benefício afeta o
equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, na medida em que torna “a inclusão de
remunerações anteriores a julho de 1994 extremamente complexa”, (…) devido “ a
baixíssima qualidade da base de dados para períodos contributivos anteriores a
1994, o que tenderia a causar grande transtorno operacional ao INSS”, somado ao
fato de ocasionar “elevação não programada das despesas da Previdência Social”
(fl. 229/234, Vol. 4);

     (e) o
acordão contrariou a Súmula Vinculante 37, ao assegurar a majoração da
aposentadoria sem a prévia fonte de custeio;

     (f) “o
sistema previdenciário brasileiro possui cariz solidário e contributivo (arts.
3o, I, 195 e 201 da Constituição), de modo que não há correlação estrita entre
o dever de contribuição e o usufruto de benefício” (fl. Vol. 4); e (g) a EC
103/2019 limitou o cálculo de benefícios previdenciários aos
salários-de-contribuição vertidos ao sistema a partir de julho de 1994.

     Por fim, requer o provimento do Recurso
Extraordinário, para fixar tese “no sentido da impossibilidade de se reconhecer
ao segurado que ingressou na Previdência antes da publicação da Lei 9.876/99 o
direito de opção entre a regra do art. 3o do mencionado diploma e a regra do
art. 29, I e II, da Lei 8.213/91”.

     Em
contrarrazões (fl. 254,Vol. 4), o segurado, em preliminar, sustenta a
inadmissibilidade do apelo extremo ante a incidência, ao caso, das Súmulas 279,
282 e 356, todas do STF, e da ausência de matéria constitucional. No, mérito,
requer o desprovimento do apelo, com a manutenção do acórdão recorrido.

     O RE foi
admitido no Superior Tribunal de Justiça como representativo da controvérsia,
determinando-se a suspensão em todo território nacional de todos os processos
pendentes em que se debata a mesma controvérsia, bem como a remessa dos autos
ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

     Ponderou-se
que o julgamento do RE 639.856 (Tema 616 da repercussão geral – incidência do
fator previdenciário (Lei 9876/99) ou das regras de transição trazidas pela EC
20/98 nos benefícios previdenciários concedidos a segurados filiados ao Regime
Geral da Previdência Social até 16/12/1998), pode influenciar o entendimento a
ser adotado na hipótese objeto deste apelo “ (fls. 22-25, Vol. 5).

     Recebido
o processo nesta CORTE, o Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral da
matéria em acórdão assim ementado:

 

“Recurso extraordinário. Previdenciário. Revisão de
benefício. Cálculo do salário de benefício. Segurados filiados ao Regime Geral
de Previdência Social (RGPS) ate a data de publicação da Lei no 9.876/99.
Aplicação da regra definitiva do art. 29, inc. I e II, da Lei no 8.213/91 ou da
regra de transição do art. 3o da Lei no 9.876/99. Presença de repercussão
geral.”

 

A Federação Nacional dos Sindicatos de
Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social – FENASP e o
Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV (Núcleo de Pesquisa e Defesa dos Direitos
Sociais) foram admitidos no processo como terceiros interessados.

A Procuradoria-Geral da República ofertou parecer,
em que se manifesta pelo DESPROVIMENTO do recurso, nos termos da seguinte ementa:

 

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO.

REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.102. ART. 3o DA LEI

9.876/1999. REGRA TRANSITÓRIA. SEGURADO

INGRESSANTE NO RGPS ANTES DE 26/11/99

DESCONSIDERAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES ANTERIORES À
COMPETÊNCIA DE JULHO DE 1994. DESFAVORECIMENTO. REGRA DEFINITIVA. ART 29, I E
II, DA LEI 8.213/1991. APLICABILIDADE. POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MELHOR BENEFÍCIO.DESPROVIMENTO
DO RECURSO.

1. Recurso Extraordinário representativo do Tema
1.102 da sistemática da Repercussão Geral, referente à “possibilidade de revisão
de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo
29, incisos I e II, da Lei no 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de
transição contida no artigo 3o da Lei no 9.876/99, aos segurados que
ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da Lei no
9.876/99, ocorrida em 26/11/99”.

2. As regras transitórias são editadas a fim de se
garantir o postulado da segurança jurídica, respeitando-se as situações consolidadas
no tempo.

3. Segundo a exposição de motivos do Projeto de Lei
1.527/1999, que originou a Lei 9.876/1999, a regra transitória foi criada com o
objetivo de mitigar os efeitos da regra permanente, considerando que o período
a contar de julho de

1994 coincide com o período do Plano Real, de
reduzidos níveis de inflação, o que permitiria minimizar eventuais distorções

causadas pelo processo inflacionário nos
rendimentos dos

trabalhadores.

4. Desconsiderar o efetivo recolhimento das
contribuições realizado antes de 1994 vai de encontro ao direito ao melhor benefício
e à expectativa do contribuinte, amparada no princípio da segurança jurídica,
de ter consideradas na composição do salário-de-benefício as melhores
contribuições de todo o seu período contributivo.

5. A partir de uma interpretação teleológica da
regra transitória, aplica-se a regra permanente do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991,
na apuração do salário-de benefício, quando mais favorável ao contribuinte.

6. Proposta de tese de repercussão geral:

Aplica-se a regra definitiva, prevista no art. 29,
I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-de benefício, quando mais
favorável do que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, aos
segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia
anterior à publicação da Lei 9.876/1999.

—Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário
e pela manutenção da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.”

 

     É o
relatório.

 

     Estão
preenchidos todos os requisitos legais e constitucionais para admissibilidade
do apelo extremo.

Inicialmente, pontuo que apreciando controvérsia
similar à presente, esta CORTE, no AI 843.287 (Rel. Ministro CEZAR PELUSO, DJe
de 1/9/2011, Tema 406 da repercussão geral, inadmitiu o recurso, ao entendimento
de que não se tratava de matéria constitucional, na forma da seguinte ementa:

 

“Agravo de instrumento convertido em
Extraordinário.

Inadmissibilidade deste. Benefício previdenciário.
Renda mensal inicial. Critérios de cálculo. Tema infraconstitucional.

Precedentes. Ausência de repercussão geral. Recurso
extraordinário não conhecido. Não apresenta repercussão geral recurso
extraordinário que, tendo por objeto o direito de se renunciar aos
salários-de-contribuição de menor expressão econômica para compor a média
aritmética que servirá de base de cálculo para a renda mensal inicial de
benefício previdenciário, versa sobre tema infraconstitucional”

 

     No
entanto, nestes autos, o Relator originário deste processo, Min.DIAS TOFFOLI
manifestou-se pela repercussão geral da matéria, compreendendo, entre outras
razões, que o “tema possui, inegavelmente, repercussão geral nos aspectos
econômico e social, dado o impacto financeiro que a prevalência da tese fixada
pelo STJ pode ocasionar no sistema de previdência social do país e o imenso
volume de segurados que podem ser abrangidos pela decisão a ser proferida neste
feito”, e, no aspecto jurídico, de eventual violação da cláusula de reserva de
Plenário pelo acórdão recorrido.

     No mais,
anotou que a temática em foco é diversa daquele objeto do Tema 616, que foi
delimitada à incidência do fator previdenciário (art. 2º da Lei 9.876/1999) no
cálculo do salário-de-benefício de segurados filiados ao RGPS até 16/12/1998,
em contraposição à regra de transição trazida pelo art. 9o da Emenda
Constitucional 20/1998.

     O
TRIBUNAL PLENO aderiu a essa compreensão, para reconhecer a existência de repercussão
geral da questão suscitada.

 

     Antes de
entrar no mérito, rapidamente, aqui é importante afastar a preliminar, porque o
INSS arguiu ofensa à cláusula de reserva de plenário, ou seja, arguiu ofensa à
Súmula 10 do Supremo Tribunal Federal, ao argumento de que o Superior Tribunal
de Justiça teria afastado o art. 3o da Lei no 9.876 com base em fundamento
constitucional, teria afastado a regra transitória, declarando-a
inconstitucional.

     Todavia,
não é o que se denota da leitura do voto condutor do acórdão recorrido. O STJ
conferindo interpretação teleológica a aludida disposição normativa, entendeu
que deveria prevalecer a regra permanente do art. 29 da Lei 8.213/1991, quando
esta fosse mais favorável ao segurado. Ou seja, procedeu à mera exegese da
norma, sem a declaração de inconstitucionalidade seja da regra permanente, seja
da regra de transição. Consequentemente, não haveria necessidade de declaração
pela maioria absoluta dos membros do tribunal ou da Corte

Especial, no caso do Superior Tribunal de Justiça.

     É firme
a jurisprudência desta CORTE no sentido de que não viola a reserva de Plenário
a decisão que se limita a interpretar a legislação infraconstitucional, sem
negar-lhe vigência. Vejam-se:

 

     “Agravo
regimental no recurso extraordinário com agravo.

Menor sob guarda judicial. Condição de dependente,
para fins previdenciários. Discussão. Artigo 97 da Constituição Federal. Súmula
Vinculante no 10. Violação.
Inexistência.
Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa.
Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes.

     1.
Pacífica a jurisprudência da Corte de que não há violação do art. 97 da
Constituição Federal e da Súmula Vinculante no 10 do STF quando o Tribunal de
origem, sem declarar a inconstitucionalidade da norma, nem afastá-la sob fundamento
de contrariedade à Constituição Federal, limita-se a interpretar e aplicar a
legislação infraconstitucional ao caso concreto.

     2.
Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação
infraconstitucional e o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência
das Súmulas nos 636 e 279/STF.

     3.
Agravo regimental não provido” (AgRg no ARE 804.313/PI, Rel. Ministro DIAS
TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/03/2015).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MONTEPIO MILITAR. EXTINÇÃO. DEVOLUÇÃO
DAS CONTRIBUIÇÕES. CONTROVÉRSIA INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. LEIS COMPLEMENTARES
ESTADUAIS 41/2004 E 66/2006. SÚMULA 280 DO STF. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO
AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS
ARTS. 5o, XXXVI, E 93, IX, DA LEI MAIOR. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(…)

 

III – Não há violação ao princípio da reserva de
plenário quando o acórdão recorrido apenas interpreta norma infraconstitucional,
sem declará-la inconstitucional ou afastar sua aplicação com apoio em
fundamentos extraídos da Lei Maior.

IV – A verificação da ocorrência, no caso concreto,
de violação ao art. 5o, XXXVI, da Constituição demandaria nova interpretação
das normas infraconstitucionais pertinentes à espécie, sendo certo que eventual
ofensa à Lei Maior seria meramente indireta.

V – A exigência do art. 93, IX, da Constituição não
impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o
julgador indique de forma clara as razões de seu convencimento, tal como ocorreu.

VI – Agravo regimental a que se nega
provimento” (AgRg no ARE 735.533/PI, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA
TURMA, DJe de 30/04/2014).

 

     Ultrapassada
essa questão, passo ao EXAME DE MÉRITO.

     Presidente,
como Vossa Excelência já adiantou, aqui é um recurso extraordinário interposto
em face de acórdão proferido pelo Superior.

     Tribunal
de Justiça e que se transformou no Tema 1102 de repercussão geral: “Tema
1102 – Possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a
aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei no 8.213/91,
quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3o da Lei
no 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social
antes da publicação da referida Lei no 9.876/99, ocorrida em 26/11/99.”

 

     O que
efetivamente se discute aqui, o objeto principal da controvérsia, está em
definirmos se o segurado do INSS que ingressou no sistema previdenciário até o
dia anterior à publicação da referida lei, em 26 de novembro de 99, pode optar,
para o cálculo do seu salário de benefício, pela regra definitiva prevista no
art. 29, I e II, da Lei no 8.213 quando essa lhe for mais favorável do que a
previsão da lei, no art. 3o, de uma regra transitória, por lhe assegurar um
benefício mais elevado. Essa é a discussão que já foi trazida ontem pelo
eminente Ministro Nunes Marques.

     Ou seja,
há uma regra transitória, mas há também uma regra definitiva que, em alguns
casos, acaba sendo mais benéfica do que a própria regra transitória. A regra
definitiva – isso é importante salientar – é mais penosa do que a legislação
anterior e, para essa transferência entre a norma anterior, que era mais
benéfica, e a mais penosa, houve uma regra de transição. Só que, em alguns
casos, essa regra de transição acaba sendo pior para o segurado do que a
própria regra definitiva.

     O
Recurso Extraordinário foi interposto em face de acórdão do Superior Tribunal
de Justiça que, em sede de recurso repetitivo, deu provimento ao Recurso
Especial do segurado para reconhecer o seu direito ao cálculo da aposentadoria,
segundo a nova regra prevista no art.29, I e II, da Lei 8.213/1991, por ser
mais benéfica do que a regra de transição do art. 3o da Lei 9.876/1999.

     Ainda, o
STJ fixou a seguinte tese:

“Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29,
I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável
do que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, aos Segurados
que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à
publicação da Lei 9.876/1999.”

 

     Ao final
do julgamento, no voto condutor do acórdão recorrido, o Relator, o Ilustre
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, enfatizou que, com a fixação da tese, não
se está reconhecendo direito adquirido a regime jurídico, muito menos
procedendo à criação de regime híbrido mediante a combinação de aspectos mais
benéficos de cada um dos dois diplomas legais. Para tanto, esclareceu que (fl.
115, Vol. 4):

 

     “28. É
importante frisar que a tese aqui proposta não implica em reconhecimento a
direito adquirido a regime jurídico, o que se sabe não encontraria abrigo na
jurisprudência consolidada do STF e do STJ. O reconhecimento a direito adquirido
a regime jurídico se verificaria na hipótese de se reconhecer ao Segurado o
direito ao cálculo do benefício nos termos da legislação pretérita (redação
original do art. 29 da Lei 8.213/1991), o que não é o caso dos autos, onde se
reconhece o ito ao cálculo nos termos exatos da legislação em vigor.

     29.
Também não intenta a combinação aspectos mais benéficos de cada lei, com vista
à criação de um regime híbrido.

Ao contrário, defende-se a integral aplicação da
regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, sem conjugação simultânea
de qualquer outra regra.”

 

     O
objeto principal da controvérsia, portanto, está em definir se o segurado do
INSS que ingressou no sistema previdenciário até o dia anterior da publicação
da lei nova (26/11/1999) pode optar, para o cálculo de seu salário de
benefício, pela regra definitiva prevista no art.29, I e II, da Lei 8.213/1991,
quando está lhe for mais favorável do que a regra transitória do art. 3o da Lei
9.876/1999, por lhe assegurar um benefício mais elevado.

     O
segurado, ora recorrido, é beneficiário de aposentadoria por tempo de
contribuição e ingressou no RGPS em 1976, ou seja, antes de 26/11/1999 – data
da publicação da Lei 9.876/1999, que no seu art. 3º estabeleceu regra de
transição para aqueles filiados à Previdência antes da novel legislação.

 

     O início
de seu benefício de aposentadoria foi em 2003, ou seja, na vigência do art. 29
da Lei 8.213/1991, alterado pela Lei 9.876/1999.

     Como
relatado, a ação foi ajuizada com o objetivo de obter a revisão de sua
aposentadoria segundo a regra definitiva (nova redação do art. 29,I e II, da
Lei 8.213/1991), que considera para o cálculo do benefício os salários de
contribuição referentes a todo o período contributivo, e não só aqueles
vertidos após 1994 como determina a aludida regra transitória.

     O INSS
defende a impossibilidade de se reconhecer ao segurado que ingressou na
Previdência antes da publicação da Lei 9.876/1999 o direito de opção entre a
regra de transição inserta no art. 3o desse diploma legal e a regra definitiva
do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91, com nova a redação, porque, entre outros
motivos, essa escolha contraria o princípio da isonomia, na medida em que, após
a edição da Lei 9.876/1999, é inviável considerar no cálculo do benefício de
todo e qualquer segurado as contribuições vertidas ao sistema anteriores a
julho de 1994.

     Vejamos
o teor das normas em questão:

     A
redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991 prescrevia:

 

“Art. 29. O salário de benefício consiste na média aritmética
simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente
anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do
requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não
superior a 48 (quarenta e oito) meses.”

 

     Com a
edição da Lei 9.876/1999, o dispositivo acima foi alterado,passando a exibir o
seguinte teor:

 

“Art. 29. O salário de benefício consiste:

I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e
c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição
correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo,
multiplicada pelo fator previdenciário;

II – para os benefícios de que tratam as alíneas a,
d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o
período contributivo”

 

     Como
isso, ampliou-se a base de cálculo dos benefícios que, antes considerava todos
os salários-de-contribuição dos últimos 36 meses anteriores ao afastamento
(ou à entrada do requerimento do INSS), para abranger os maiores
salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período
contributivo do segurado.

     Ainda, a
novel legislação (Lei 9.876/1999), introduziu no seu art. 3º uma regra de
transição, para dispor que:

 

“ Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência
Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei
, que vier a cumprir
as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média
aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo,
oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a
competência julho de 1994
, observado o disposto nos incisos I e II do
caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.”

 

     Ou seja,
para aqueles filiados ao RGPS até a data da publicação da Lei 9.876/1999
(26/11/1999), criou-se uma regra de transição para excluir do cálculo do
benefício os salários de contribuição anteriores a julho de 1994.

     Obviamente,
para aqueles que ingressaram no sistema após 1999, por impossibilidade fática,
não se pode incluir as contribuições anteriores a esse marco temporal (1994).

     Mais
recentemente, a Reforma da Previdência instituída pela Emenda Constitucional
103, promulgada em 12/11/2019, estabeleceu que esse limite fixado em julho de
1994 (regra transitória do art. 3o da Lei 9.876/99) passou a ser a regra
permanente até que lei discipline a matéria, nos termos do art. 26, caput, da
referida Emenda, in verbis:

 

     “Art.
26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de
previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será
utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das
remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência
social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições
decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da
Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem
por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o
início da contribuição, se posterior àquela competência.”

 

     Na
Exposição de Motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, convertido na Lei
9.876/1999, esclareceu-se que a intenção do legislador, ao excluir as contribuições
anteriores a julho de 1994, foi preservar o valor das aposentadorias dos
efeitos deletérios dos altos índices de inflação do período anterior a tal
marco e, com isso, beneficiar principalmente os segmentos de menor renda.

 

“2. O Projeto de Lei proposto procura
aprimorar o sistema previdenciário dos trabalhadores da iniciativa privada em relação
às mudanças no mercado de trabalho e à evolução demográfica, criando, concomitantemente,
maiores atrativos para a incorporação de trabalhadores autônomos e outros não assalariados
a Previdência Social e estreitando a relação entre contribuições e benefícios.

     (…)

     56. Uma
das mudanças mais importantes introduzidas pelo Projeto de Lei refere-se à
ampliação do período de contribuição computado para efeito de cálculo do valor
dos benefícios (alteração do art. 29 da Lei 8.213, de 1991, e art. 5o do Projeto
de Lei ora proposto). Propõe-se que ele cubra o período decorrido desde julho
de 1994 até o momento da aposentadoria para os que se aposentarem a partir da promulgação
deste Projeto de Lei. O referido período de contribuição será progressivamente
ampliado até abranger toda a trajetória salarial dos futuros aposentado s. O
período arbitrado inicialmente coincide com um período de reduzidos níveis de
inflação, com o Plano Real, o que permite minimizar eventuais distorções
causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores.

     57.
Ressalte-se que na sistemática proposta para o cálculo da média aritmética dos
salários-de-contribuição permitir-se-á que seja considerado um período de até
20% superior ao tempo que transcorre entre Julho de 1994 e o momento da aposentadoria,
caso ocorra lapsos contributivos neste período.

Esta medida visa beneficiar os segmentos de menor
renda que apresentam maior instabilidade na vida laboral.

     58. A
ampliação do período de contribuição computado para a apuração do
salário-de-benefício nada mais é do que um ajuste da legislação brasileira à
tendência internacionalmente vigente de extensão do número de anos sobre os
quais se baseia a determinação do valor do benefício. A proposta de computar,
no Brasil, todo o período laboral do segurado não é exceção no mundo e
equivale, por exemplo, ao vigente em legislações de países de reconhecida
tradição previdenciária, como a Alemanha, a Itália e a Suécia.

     59. A
regra de cálculo do valor dos benefícios ainda em vigor baseia-se,
exclusivamente, nos últimos 3 anos de contribuição antes da aposentadoria, o
que lhe confere um caráter regressivo. De fato, dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios – 1997 do Instituto Brasileiro de Estatística – IBGE, tabulados
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, mostram que são os trabalhadores
de maior escolaridade e inserção mais favorável no mercado de trabalho os que
auferem rendimentos mais elevados, à medida que se aproximam das idades limite
de aposentadoria.

    60. Em
contraposição, os trabalhadores com menor escolaridade e inserção menos
favorável no mercado de trabalho têm uma trajetória salarial mais ou menos
linear, que permanece praticamente inalterada à medida que se aproxima o
momento de sua aposentadoria e apresenta ligeira tendência de queda a partir
dos 55 anos.

     61.
Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, de
1997, que deram base ao Gráfico I, se considerarmos o período entre os 25 a 29
anos de idade, um homem com escolaridade média-alta (segundo grau ou nível superior)
chega a auferir rendimentos médios cerca de 2,6 vezes maiores que um homem com
escolaridade baixa (até primeiro grau completo). No período compreendido entre
os 40 e 44 anos de idade, a proporção entre os rendimentos destes trabalhadores
passa a ser ainda maior, cerca de 3.6. Finalmente, no período próximo à
aposentadoria, entre os 55 e 59 anos de idade, observamos que os rendimentos
médios de um homem com escolaridade alta chegam a ser 4,8 vezes mais elevados que
os de um homem com escolaridade baixa.

     62. No
caso das mulheres participantes do mercado de trabalho, a diferença entre as
médias dos rendimentos é mais pronunciada. Uma mulher de escolaridade
média-alta recebe entre os 25 e os 29 anos de idade, na média, um rendimento 5 vezes
maior que o de uma mulher de escolaridade baixa. Na faixa etária dos 40 aos 44
anos de idade, a proporção sobe para 7,3 vezes e, por fim, nos anos
compreendidos entre os 55 e os 59 anos de idade o rendimento médio das
mulheres de escolaridade média e alta supera o das de escolaridade baixa em 6,2
vezes.

     63. Em
regimes de repartição simples com benefício definido, onde o benefício é
calculado com base nos últimos anos de contribuição, o fato de existirem
diferentes perfis de evolução da renda ao longo da vida gera severas distorções
redistributivas. Quanto menor o período de base de cálculo, tanto mais
subsídios implícitos são auferidos pelos segurados de alta remuneração final em
detrimento dos trabalhadores de baixa renda e, também, pelos homens em prejuízo
das mulheres. Do exposto, podemos concluir que a ampliação do período
computado para efeito de cálculo do valor dos benefícios é uma medida com forte
conteúdo de justiça social, que visa reduzir de maneira progressiva estas
vantagens auferidas pelos segmentos sociais mais favorecidos no momento de sua
aposentadoria”.

 

 

     Ao
analisar as leis supramencionadas, tradicionalmente, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça entendia não ser possível aos que se filiaram ao
RGPS antes da edição da Lei 9.876/1999 optar pela regra definitiva da Lei 8.213/1991
para apuração do salário de benefício, devendo ser aplicada a regra de
transição prevista no diploma alterador.

     Isso
porque, ainda que em algumas hipóteses a regra de transição implique situações
desfavoráveis a determinados segurados, outros tantos são beneficiados por essa
regra de cálculo. E essa circunstância ocorre porque “a ampliação do período
básico de cálculo para considerar toda a vida laborativa do segurado, ao
contrário dos 80% (oitenta por cento) maiores salários de contribuição a partir
de julho de 1994, pode resultar, a depender do caso, em regra menos favorável
ao segurado, considerando a possibilidade de serem os salários mais antigos
inferiores àqueles mais recentes, resultando na média aritmética apurada um
valor mensal do benefício mais reduzido” (REsp. 1.679.866/RS, Rel. Min. HERMAN
BENJAMIN, DJe de 25/5/2018).

     Nesse
sentido, diversos julgados: REsp. 1.644.505/SC, Rel. Min.HERMAN BENJAMIN, DJe
de 19/6/2017; EDcl no AgRg no AREsp.609.297/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES,
DJe de 2/10/2015;AgInt no REsp. 1.526.687/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe de 5/12/2017;
REsp. 1.679.866/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de25/5/2018; AgInt no REsp.
1.679.728/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 26/3/2018;

Por todos, confira-se a ementa desse último (AgInt
no REsp.1.679.728/PR:

 

     PREVIDENCIÁRIO.
REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL. PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. ACÓRDÃO EM
CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.

I – Trata-se de questão de revisão de renda mensal
inicial já apelidada no mundo jurídico de “revisão de vida toda”. A
decisão ora agravada deu provimento ao recurso especial do INSTITUTO NACIONAL
DO SEGURO SOCIAL – INSS para reformar o acórdão recorrido, para entender válida
a regra constante do § 2º do art. 3º da Lei 9.876/99, não sendo possível a
inclusão no PBC de salários de contribuição anteriores a julho de 1994.

II – Anteriormente à Emenda Constitucional n.
20/98, o período básico de cálculo, que é o intervalo de tempo dentro do qual
são considerados os salários de contribuição para fins de estabelecimento do
salário de benefício, tinha como regra geral a média dos 36 últimos salários de
contribuição, conforme previa o caput do artigo 202 da CF/88, na sua redação
original.

III – Com a Emenda Constitucional n. 20/98, tal
previsão desapareceu, sendo a Lei n. 8.213/91, que replicava o entendimento do
art. 202 da CF/88, alterada pela Lei n. 9.876/99, que passou a prever, no art.
29, que o PBC (Período Básico de Cálculo) seria composto pela média aritmética
simples correspondente a 80% dos maiores salários de todo o período contributivo,
multiplicado pelo fator previdenciário, respeitado, é lógico, o direito
adquirido de quem atingiu o direito à obtenção do benefício pelas regras
anteriores.

IV – E para quem havia entrado no regime antes da
vigência da Lei n. 9.876/99, o art. 3º da referida Lei trouxe uma regra de
transição. Tem-se, portanto, que para os que se filiaram anteriormente à Lei n.
9.876/99, o período de apuração será composto pelo período compreendido entre
julho de 94 ou a data de filiação do segurado, se essa for posterior, e o mês
imediatamente anterior à data do requerimento de aposentadoria.

V – O parágrafo 2º do referido artigo traz outra
regra, que na prática indica que, caso o segurado tenha contribuído após julho
de 1994 por meses que, se contados, sejam inferiores a 60% dos meses decorridos
de julho de 1994 até a data do pedido de aposentadoria, então o cálculo do
benefício levará em consideração os meses contribuídos divididos por 60% dos
meses decorridos de julho de 1994 até a data da aposentadoria.

VI – E é essa regra do parágrafo segundo, na
verdade, que vem sendo questionada, porquanto a sua aplicação literal ocasiona,
eventualmente, prejuízo ao segurado, já que pode haver um descompasso entre as
contribuições vertidas após 1994 e a divisão por 60% dos meses decorridos de
julho de 94 até a data da aposentadoria, porquanto se o número de contribuições
após julho de 94 for pequeno, a divisão por 60% do número de meses pode levar a
um valor bem abaixo do que aquele que seria obtido pela aplicação da regra nova
in totum.

VII – O caso extremo ocorre quando, por exemplo, o
segurado atinge os requisitos para a aposentadoria com apenas uma ou poucas
contribuições a partir de julho de 1994. Nesse caso, quanto maior for o lapso
de tempo entre a contribuição vertida após julho de 1994 e o requerimento de
aposentadoria, maior será a redução no benefício do segurado. Pode-se dizer,
que, invariavelmente receberá o mínimo. Essa hipótese já foi enfrentada nesta
e. Corte: REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
24/03/2009, DJe 27/04/2009.

VIII – Vê-se, pois, que a questão já foi enfrentada
nesta e. Corte, que entendeu ser válida a regra. Não se nega que situações
desfavoráveis podem ocorrer, mas, entretanto, trata-se de opção legislativa e,
de fato, o entendimento adotado no Tribunal de origem, a título de corrigir
regra de transição, acabou por alterar o conteúdo da Lei.

IX – Até mesmo porque a alteração legislativa, ou
seja, a regra genérica que alterou o art. 29 da Lei 8.213/91, prejudicou quem
tinha maiores salários no fim do período básico de cálculo e beneficiou quem
teve durante a carreira um salário decrescente. Então, ao que parece, não há
essa lógica constante do acórdão recorrido de que a regra de transição não pode
ser mais prejudicial ao segurado do que a regra nova, porquanto a regra nova
não prejudicou todo mundo, ao revés, beneficiou alguns e prejudicou outros.

A jurisprudência desta e. Corte tem outros julgados em que se reafirma a
validade da referida norma. Nesse sentido: EDcl no AgRg no AREsp 609.297/SC,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe
02/10/2015; AgRg no REsp 1477316/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014; REsp 1655712/PR, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017; REsp
1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
27/11/2012, DJe 06/12/2012.

X – Agravo interno improvido (AgInt no REsp.
1.679.728/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 26.3.2018).”

 

     No
entanto, a partir do julgamento do Recurso Especial pela sistemática dos
recursos repetitivos, que deu origem ao acordão ora recorrido, o STJ reviu sua
jurisprudência, ressaltando a necessidade de interpretar-se a regra de
transição de forma mais consentânea com o objetivo que orientou o legislador ao
criar a disciplina transitória.

     A
propósito, confira-se o seguinte trecho do voto condutor do aresto combatido
(fls. 101-109, Vol. 4):

 

     “6.
Desse modo, não resta dúvidas, que a opção legislativa deve ser vista em
caráter protetivo. O propósito do artigo 3o. da Lei 9.876/1999 e seus
parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os Segurados
não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos
benefícios.

     7. De
fato, a tradição no direito pátrio revela a necessidade de períodos de
transição para que toda e qualquer mudança no ordenamento normativo seja
implementada pouco a pouco. Assim, as regras de transição existem para atenuar
os efeitos das novas regras aos Segurados já filiados ao regime, e nunca –
jamais – para prejudicar.

(…) 15. É certo que o sistema de Previdência
Social é regido pelo princípio contributivo, o que exige o recolhimento de
contribuições sociais para o reconhecimento do direito ao benefício. Decorre de
tal princípio a necessidade de haver necessariamente uma relação entre custo e
benefício, não se afigurando razoável que o Segurado verta contribuições que
podem ser simplesmente descartadas pela Autarquia Previdenciária.

     (…)

     18.
Nesse passo, não se pode admitir que tendo o Segurado realizado melhores
contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente
descartados no momento da concessão de seu benefício, ao pálido argumento de
prevalência da aplicação da regra de transição, sem analisar as consequências
da medida.

     (…)

      20.
Ora, a compreensão que se tem das regras de transição aponta para a sua
aplicação facultativa diante de uma regra atual mais vantajosa. Como bem anota,
em brilhante exposição, o parecer ministerial:

 

     Se a
realidade social demanda modificações, que, pelo menos, não arrasem todas as
expectativas legitimamente nascidas no curso da disciplina original da relação
jurídica.

     Regras
transitórias são, assim, teleologicamente voltadas para não agredir todas as
expectativas dos sujeitos de relações jurídicas antigas com critérios novos.
Visam dar-lhes algo do que teriam, se sua antiga condição fosse preservada.
Numa palavra, as regras de transição objetivam beneficiar as partes da relação
jurídica que apanham em pleno andamento.

     Assentadas
essas premissas, data vênia, verifica-se o engano da jurisprudência do
Tribunal, porque inverte o sentido teleológico de qualquer regulação
transitória: a interpretação vigente da Lei 9.876 ofende o art. 1º da CR,
porque piora a situação de parcela de segurados já vinculada à previdência
social antes de sua edição, ao invés de lhe garantir regime mais benéfico do
que o novo. Há contrassenso nisso, ainda que a aplicação da lei favoreça outra
parte dessas pessoas em situação similar – mas não igual – à do autor.

     Uma vez que o direito tem como função
garantir expectativas, a categoria das normas transitórias só pode favorecer os
segurados antigos colhidos pela lei nova. Logo, a interpretação legal não lhe
pode atribuir sentido que os prejudique, até em relação aos segurados ingressos
na previdência no regime novo, mais rigoroso do que o antigo. Na pior das
hipóteses, a norma transitória não se aplica aos segurados antigos, quando
implicar tratá-los de modo pior do que o novo segurado. Os antigos merecem, ao
menos, a igualdade com os paradigmas mais novos. Esse é o pedido do autor.
Logo, deve ser deferido.

     (…)

      22. A
regra de transição, como tal, somente deve ser aplicada se a regra nova não for
mais benéfica ao segurado.” A partir da leitura da exposição de motivos do
Projeto de Lei que originou a Lei 9.876/1999 e os argumentos aduzidos no
acórdão recorrido, depreende-se que a regra definitiva veio para privilegiar no
cálculo da renda inicial do benefício a integralidade do histórico
contributivo. A limitação imposta pela regra transitória a julho de 1994 teve
escopo de minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário
nos rendimentos dos trabalhadores.

     A regra
transitória, portanto, era favorecer os trabalhadores com menor escolaridade,
inserção menos favorável no mercado de trabalho, que tenham uma trajetória
salarial mais ou menos linear, só que, em alguns casos, isso se mostrou pior
para o segurado, e não favorável como pretendia o legislador na aplicação
específica de alguns casos concretos.

     Assim,
é imperioso que se analise a regra transitória como aquilo que ela representa
dentro do sistema da previdência social, ou seja, uma forma de aproximação da
regra definitiva, a fim de proteger direitos subjetivos dos segurados. Pois,
houve alteração das regras previdenciárias – e aqui não se está a dizer nem a
se discutir direito adquirido a regime jurídico previdenciário. Não: houve
alteração. A nova regra se aplica daqui para a frente, de 1999 para frente.
Para aqueles que já estão, para que não sejam tão prejudicados, veio uma regra
transitória. Essa regra transitória excluiu benefícios pré 1994, exatamente
para auxiliar o segurado.

 

     I – O
Sistema de Previdência Social

 

     O
sistema de previdência social rege-se pelo princípio contributivo pelo qual,
não só a percepção do benefício pressupõe a contribuição do segurado, como
também deve haver correlação entre o benefício concedido e a contribuição
previdenciária recolhida, não se admitindo que eventuais parcelas vertidas ao
sistema pelo beneficiário sejam desconsideradas de plano.

     Essa
premissa inclusive foi adotada no Tema 163 a repercussão geral (RE 593.068,
Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Dje de 22/3/2019), no qual se assentou que a base de
cálculo da contribuição previdenciária somente deve incluir os ganhos habituais
que tenham repercussão em benefícios, estando excluídas as verbas que não se
incorporam à aposentadoria.

     A tese
do paradigma ficou assim redigida: “Não incide contribuição previdenciária
sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor
público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno
e adicional de insalubridade.” Não obstante esse precedente tenha analisado
hipótese relativa ao regime próprio de previdência, a mesma diretriz é
aplicável ao RGPS consoante se depreende do texto constitucional:

 

     “Art.
201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de
Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e
atenderá, na forma da lei, a:

     (…)

     § 11. Os
ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário
para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em
benefícios, nos casos e na forma da lei.

 

     Ao
votar, o Ilustre Min. ROBERTO BARROSO, citando passagem do voto do Ministro
CELSO DE MELLO na ADC 8, reafirmou que a referibilidade entre a contribuição e
o benefício é exigência nos dois regimes – regime geral de previdência social e
regime próprio. Confira-se:

 

     “ (…)
21. Em complementação dos argumentos expostos até aqui, é de proveito uma
análise da matéria à luz dos dois grandes vetores que regem o sistema de
previdência social no Brasil, aplicáveis tanto ao regime geral como ao regime
próprio.

     (…)

     23 (…)
diante da aplicação subsidiária das normas do regime geral de previdência
social (art. 40, § 12, CF/88), o regime próprio também se sujeita ao art. 195,
§ 5º, da CF/88, segundo o qual nenhum benefício ou serviço da seguridade social
poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio
total. É importante observar que, a despeito da Emenda Constitucional nº
41/2003 ter reforçado o caráter solidário do regime, foi mantida a natureza
contributiva.

    24.
Algumas conclusões podem ser obtidas desses parâmetros normativos. Embora o
duplo caráter do regime próprio de previdência confira ao legislador razoável
margem de livre apreciação para a sua concreta configuração, o dever de
harmonizar as suas dimensões solidária e contributiva impõe o afastamento de
soluções radicais. Assim, o caráter solidário do sistema afasta a existência de
uma simetria perfeita entre contribuição e benefício (como em um sinalagma),
enquanto a natureza contributiva impede a cobrança de contribuição
previdenciária sem que se confira ao segurado qualquer contraprestação, efetiva
ou potencial.          

     25. A
matéria foi captada com maestria pelo Ministro Celso de Mello, na interpretação
equilibrada entre o art. 195, § 5º (que exige que o benefício tenha fonte de
custeio), e o art. 201, § 11 (que prevê a relação entre base de cálculo da
contribuição e benefício). Com efeito, ao julgar a ADC 8, averbou Sua
Excelência:

 

     […] O
REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER EMINENTEMENTE
RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUILÍBRIO ATUARIAL (CF, ART. 195, § 5º).
CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA
SUFICIENTE.

     – Sem
causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição
de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo,
deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício.

     A
existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em
evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem
benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF. […]
(ADC 8, Rel. Min. Celso de Mello, sublinhados acrescentados)

     26.
Note-se que essa lógica se aplica tanto ao regime geral de previdência social
quanto ao regime próprio.”

 

     O fato
de o sistema de previdência social – isso foi levantado, ontem, pelo eminente
Ministro NUNES MARQUES – reger-se pelo princípio contributivo, no qual não só a
percepção do benefício pressupõe a contribuição do segurado, reforça aqui a
necessidade ou a possibilidade de o segurado poder optar pelo regime definitivo
previsto pelo art. 29, quando esse lhe proporcionar um salário de benefício
mais favorável, isso porque houve efetiva contribuição.

    Vejamos,
então, com mais vagar o conteúdo da regra transitória do art. 3º da Lei
9.876/1999.

 

     II – A
regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999

     Atente-se
que, consoante consignado na exposição de motivos da Lei 9.876/1999, a intenção
do legislador, ao excluir as contribuições anteriores a julho de 1994, foi
preservar o valor das aposentadorias dos efeitos deletérios dos altos índices
de inflação do período anterior a tal marco e, com isso, beneficiar
principalmente os segmentos de menor renda. Se a aplicação impositiva ao
segurado da regra transitória inverte essa lógica, ao lhe proporcionar um
benefício menor do que aquele que faria jus pela regra definitiva, fica claro
que essa interpretação subverte a teleologia da norma.

     É certo que a regra transitória é mais
benéfica àqueles que tiveram suas remunerações aumentadas no período mais
próximo da aposentadoria em virtude da percepção de renda salarial mais
elevada, com o consequente aumento no valor das contribuições. No entanto, essa
não é a realidade do segmento dos trabalhadores com menor escolaridade que têm
a trajetória salarial decrescente quando se aproxima o momento de sua
aposentadoria. Esses acabam, pela aplicação da regra transitória, acabam – como
acabaram – sendo duplamente penalizados. Penalizados porque, em virtude de não
terem a possibilidade de uma maior escolaridade, terem decréscimo salarial com
a idade, e penalizados porque os maiores valores de renda que recebiam acabam
sendo ignorados, excluídos da média geral. Isso fez com que houvesse uma
diminuição muito grande do valor a ser recebido.

     A regra
transitória visava alcançar uma maior justiça social, mas acabou aumentando o
fosso entre aqueles que ganham mais e vão progredindo e, ao longo do tempo,
ganhando mais, daqueles que têm mais dificuldades em virtude da menor
escolaridade e a sua média salarial vai diminuindo. Acabou-se ampliando a
desigualdade social e a distribuição de renda, que não era essa hipótese
prevista, inclusive, pelo legislador, como salientei na exposição de motivos do
próprio projeto de lei, que depois se transformou na alteração legislativa.

     Essa
contingência foi muito bem observada pela Ilustre Ministra ASSUSETE MAGALHÃES,
em seu voto vista. Pela percuciência, vale conferir o seguinte trecho de sua
manifestação (fls. 135-138, Vol. 3):

 

     “Quanto
à ampliação do período contributivo, constante da regra permanente do art. 29
da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99 – que determina que o
salário-de-benefício seja calculado pela média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a todo o período contributivo,
multiplicada pelo fator previdenciário, no caso das aposentadorias por idade e
por tempo de contribuição –, visou ela alcançar justiça social,
favorecendo os trabalhadores com menor escolaridade e inserção menos favorável
no mercado de trabalho, que, via de regra, auferem salários com tendência de
queda, a partir dos 55 anos de idade.
Com
efeito, segundo afirma a aludida Exposição de Motivos, “são os
trabalhadores de maior escolaridade e inserção mais favorável no mercado de
trabalho os que auferem rendimentos mais elevados, à medida em que aproximam
das idades-limites de aposentadoria”, e que “a ampliação do período
computado para efeito de cálculo do valor dos benefícios é uma medida com forte
conteúdo de justiça social, que visa reduzir de maneira progressiva estas
vantagens auferidas pelos segmentos sociais mais favorecidos no momento de sua
aposentadoria.

     (…) De
fato, considerando que a previdência social constitui direito social, e, nessa
medida, garantia assegurada pela Constituição da República (art. 6º da CF/88),
não seria razoável ignorar toda a vida contributiva do segurado por conta da
regra de transição, na hipótese de a referida regra implicar menor renda mensal
inicial do benefício, em relação à aplicação da regra permanente.”

 

     A
doutrina também abona esse entendimento, no sentido de que norma transitória
não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva:

 

     “Nos
casos em que a regra transitória é prejudicial ao segurado, deve ser aplicada a
regra definitiva, prevista no art. 29, I da Lei 8.213/1991, com a redação
definida pela Lei 9.876/1999.

     A lógica
da norma de transição é minimizar os efeitos de novas regras mais rígidas para
aqueles filiados ao sistema, mais ainda não haviam adquirido o direito de se
aposentar pelas regras antes vigentes, mais benéficas.

     Deve-se
evitar um direito transitório, segundo o qual os segurados se sujeitem a regras
transitórias ainda mais gravosas que aquelas introduzidas pela lei nova. É essa
premissa lógica que merece ser considerada para efeito de interpretação da
regra estabelecida no art. 3o. da Lei 9.876/1999 (JOSÉ ANTÔNIO SAVARIS.
Compêndio de Direito Previdenciário. Curitiba: Alteridade, 2018, p. 345).

 

     A
respeito do tema, são ilustrativas as lições dos Professores CARLOS ALBERTO
PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI:

 

     “Embora
a Lei nº 9.7876/99 não tenha previsto expressamente, há que ser entendido que o
segurado poderá optar pela regra nova na sua integralidade, ou seja, a média
dos 80% maiores salários de contribuição de todo o período em que contribuiu ao
sistema e não apenas a partir de julho de 1994.

     Como
paradigma para essa interpretação podemos citar o artigo 9º da Emenda
Constitucional n. 20/98, que, ao alterar as regras de concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição permitiu ao segurado optar pelas regras
de transição ou pelas novas regras permanentes do artigo 201 da Constituição.

     Além
disso, ao tratarmos de regras de transição no direito previdenciário, sua
estipulação é exatamente para facilitar a adaptação dos segurados que já
estavam contribuindo, mas que ainda não possuíam o direito adquirido ao benefício.
Portanto, não havendo direito adquirido à regra anterior, o segurado teria
sempre duas opções: a regra nova ou a regra de transição, podendo sempre optar
pela que lhe for mais benéfica.

     Além
disso, ao tratarmos de regras de transição no direito previdenciário, sua
estipulação é exatamente para facilitar a adaptação dos segurados que já
estavam contribuindo, mas que ainda não possuíam o direito adquirido ao
benefício. Portanto, não havendo direito adquirido à regra anterior, o segurado
teria sempre duas opções: a regra nova ou a regra de transição, podendo sempre
optar pela que lhe for mais benéfica.

     Trata-se
mais uma vez do reconhecimento do direito ao cálculo mais vantajoso para o
segurado, dentre as opções possíveis de período básico de cálculo, desde que
preenchidos os demais requisitos para a concessão da prestação.

     A
ampliação do período básico de cálculo para todo o período contributivo pode
gerar um salário de benefício mais vantajoso em muitos casos, por exemplo:

     – nos
casos de aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial, em que a
aplicação do divisor mínimo de 60% do período decorrido da competência julho de
1994 até a data de início do benefício, gera competência com salários de
contribuição zerados;

     –
hipóteses de segurados que aderiram a Planos de Demissão Incentivada e
reduziram os salários de contribuição no período que antecede a aposentadoria,
mas tem um um histórico de contribuição elevado (Manual de Direito
Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 601/602).

 

     Ou seja,
admitir-se que norma transitória importe em tratamento mais gravoso ao segurado
mais antigo em comparação ao novo segurado contraria ao princípio da isonomia,
que enuncia dever-se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua
desigualdade, a fim de conferir-lhes igualdade material, nunca de
prejudicá-los.

     Entendo
que se admitir que uma norma transitória, que foi clara e especificamente
editada para favorecer o segurado, acabe importando em um tratamento mais
gravoso ao segurado, ao segurado mais antigo, ao segurado com menor
escolaridade, ao segurado que ganha o menor valor, ou seja, admitir-se
aplicação dessa regra transitória, parece-me totalmente irrazoável
.

     Consequentemente,
e foi essa a conclusão do Superior Tribunal de Justiça, que se aplique, então,
a regra definitiva. Não se está aqui – e o Superior Tribunal de Justiça não o
fez, e também aqui no meu voto não o estou fazendo – inventando uma nova regra,
ou misturando regras. Não! Há uma regra definitiva, mas, olha, segurado, eu vou
te favorecer com uma transitória; se não favorecer, vamos aplicar, para
garantir o princípio da igualdade e diminuir as desigualdades, vamos aplicar
para todos que pedirem a regra definitiva.

     Eu
trago, aqui, a título de exemplo, Presidente, Colegas, um caso concreto. Um dos
casos da chamada “revisão da vida toda”, que corre na Justiça, e não
é esse caso específico, do aposentado “X”, 72 anos.

    

     Vejamos
essa situação que foi noticiada pela imprensa
(https://extra.globo.com/economia/supremo-marca-para-junhojulgamento-da-revisao-da-vida-toda-do-inss-confira-simulacoes25035668.html):

 

“Um dos casos de “revisão da vida toda”
que corre na Justiça é o do aposentado L. C. F., de 72 anos. Ele contribuiu a
vida toda sobre o teto da Previdência Social, mas ao se aposentar, em 2014, as
maiores contribuições foram descartadas, e o benefício ficou em um
salário-mínimo. Acaso reconhecida a revisão a sua aposentadoria será recalculada
de forma a considerar todo o valor que efetivamente contribuiu.”

 

     “Um dos
casos de “revisão da vida toda” que corre na Justiça é o do
aposentado L. C. F., de 72 anos. Ele contribuiu a vida toda sobre o teto da
Previdência Social, mas ao se aposentar, em 2014, as maiores contribuições
foram descartadas, e o benefício ficou em um salário-mínimo. Acaso reconhecida
a revisão a sua aposentadoria será recalculada de forma a considerar todo o
valor que efetivamente contribuiu.”

     Não se
fere em nada aqui o cálculo atuarial. O recálculo não será feito num valor
arbitrado, imaginário. Não! O recálculo será feito de forma a considerar todo o
valor com que ele efetivamente contribuiu. Se contribuiu, ele tem direito. E
será feito sobre todo o valor com que ele contribuiu, com base em quê? Com base
no art. 29, que a própria legislação estabeleceu.

 

     Outros
exemplos extraídos da mesma fonte:

 

“Outro caso é da aposentada desde 2017, L.H.S.M.,
de 58 anos, que reivindica a “revisão da vida toda” na Justiça. Sua
aposentadoria, no ano de 2020, era de R$ 3.317,55. Se for corrigida levando em
conta as contribuições que foram descartadas, o valor sobe para R$ 4.372,50,
uma alta de 31,79%.”

 

     Ou seja,
essa norma de transição aparentemente favorável a ela simplesmente subtraiu
31,79% da sua aposentadoria. Aposentadoria com a qual ela efetivamente
contribuiu durante toda a vida.

     Ainda:

 

“Na situação de A.V.S., 72, que se aposentou em
2014 e recebeu um benefício de R$ 2.865,86, acaso reconhecido seu direito à
revisão, fará jus a um aumento 30,82% sobre esse valor, que resultará na
aposentadoria de R$ 3.749,21.”

 

     Como
aplicar uma regra transitória, que efetivamente foi feita para melhorar a
situação do segurado em relação à regra definitiva, mas, nos casos concretos,
ao se calcular, perdem em torno de 30%, principalmente, repito aqui, aqueles de
menor escolaridade que, mais perto da aposentadoria, passaram a ter uma
contribuição menor?

    Então,
Presidente, na hipótese, se inexistisse a regra transitória, se fosse aplicada
só a regra definitiva – a regra definitiva que passou a valer para todos
aqueles que se aposentaram após 1999 -, nós teríamos uma situação mais
igualitária entre todos os segurados, um reconhecimento, uma proteção maior aos
valores efetivamente contribuídos.

     O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do Tema 334 (RE 630501, Rel. Min. ELLEN
GRACIE, Redator para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Dje de 26/8/2013) assentou
que o segurado tem direito ao melhor benefício.

     A tese
desse paradigma foi assim fixada:

 

“Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre
observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso
remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais
para a aposentadoria, respeitadas a decadência do direito à revisão e a
prescrição quanto às prestações vencidas.”

 

     Nesse
leading case, o TRIBUNAL PLENO reafirmou que, em questões previdenciárias,
aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem
para inatividade. Esse entendimento já havia sido consolidado na ADI 3.104
(Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Plenário, Dje de 25/3/2007).

     Aduziu-se
que, havendo a sucessividade de leis no tempo, a jurisprudência do SUPREMO
TRIBUNAL reconhece ao segurado o direito de escolher o benefício mais
vantajoso, consideradas as diversas datas em que o direito poderia ser
exercido. Pela pertinência, confiram-se os seguintes trechos do voto condutor
proferido na ocasião pela Ministra ELLEN GRACIE:

 

    “(…) 4.
Em matéria previdenciária, já está consolidado o entendimento de que é
assegurado o direito adquirido sempre que, preenchidos os requisitos para o
gozo de determinado benefício, lei posterior revogue o dito benefício,
estabeleça requisitos mais rigorosos para a sua concessão ou, ainda, imponha
critérios de cálculo menos favoráveis.

     É que,
nessas situações, coloca-se a questão da supressão, de um direito já
incorporado ao patrimônio do segurado e constitucionalmente protegido contra
lei posterior, que, no dizer do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição, não
pode prejudicá-lo.

     (…)

     A
jurisprudência é firme no sentido de que, para fins de percepção de benefício,
aplica-se a lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos. Dá-se aplicação,
assim, ao Enunciado 359 da Súmula do Tribunal: Ressalvada a revisão prevista
em lei os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que
o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.
Sua
redação está alterada em conformidade com o decidido no RE 72.509, em que foi
destacado que o fato de o segurado não haver requerido a aposentadoria não o
faz perder seu direito. Embora elaborada a partir de casos relacionados a
servidores públicos, aplica-se a toda a matéria previdenciária, conforme já
reconhecido por este tribunal por ocasião do julgamento do RE 243.415-9, relator
o Min. Sepúlveda Pertence: (…) a Súmula se alicerçou em julgados
proferidos a respeito da aposentadoria de funcionários públicos; mas a
orientação que o verbete documenta não responde a problema que diga respeito a
peculiaridade do seu regime e sim aos da incidência da garantia constitucional
do direito adquirido.

     (…)

     5 O que
este Supremo Tribunal Federal não reconhece é o direito adquirido a regime
jurídico, ou seja, não considera abrangido pela garantia constitucional a
proteção de simples expectativas de direito.

    Também
não admite a combinação dos aspectos mais benéficos de cada lei com vista à
criação de regimes híbridos.

     O regime
previdenciário tem cunho contributivo, de modo que as contribuições vertidas
repercutem no valor do benefício, juntamente com outras circunstâncias como a
idade e a expectativa de vida.

     Mesmo
antes de a aposentadoria passar a ser um benefício concedido por tempo de
contribuição, de seu cálculo passar a considerar a média aritmética simples dos
maiores salários-de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período
contributivo e, ainda, de estar sujeito ao fator previdenciário (índice
calculado com base na idade, expectativa de sobrevida e tempo de contribuição),
já se exigia do segurado não apenas tempo de serviço, mas também um período de
carência (número de contribuições), sendo o benefício calculado com base nas
últimas trinta e seis contribuições.

     A opção
por permanecer em atividade, portanto, sempre implicou a possibilidade de
exercer o direito à aposentadoria mediante o cômputo também das contribuições
vertidas desde o cumprimento dos requisitos mínimos para a aposentação até a
data do desligamento do emprego ou do requerimento. Tal custeio adicional após
a obtenção do direito à aposentadoria proporcional mínima ou mesmo após a
aquisição do direito à integralidade sempre foi e é considerado por ocasião do
cálculo e deferimento do benefício de aposentadoria.

     Embora
seja, via de regra, vantajoso para aquele que permaneceu na ativa ter
contribuído ao longo de mais alguns meses ou anos, pode não sê-lo em
circunstâncias específicas como a da redução do seu salário-de-contribuição,
com influência negativa no cálculo da renda mensal inicial.

     Em tais
casos, mesmo que a diminuição não decorra de lei, mas dos novos elementos
considerados para o cálculo do benefício, impende assegurar-se o direito
adquirido ao melhor benefício possível.”

 

     Logo, à
luz desse precedente, ressai que, na presente hipótese, se inexistente a regra
transitória, o art. 29 da Lei 8.211/1991, na redação que lhe conferiu a Lei
9.876/1999 – regra definitiva, seria norma aplicável ao segurado que reuniu os
requisitos para aquisição do benefício durante a sua vigência. Segundo essa
regra, todo o período contributivo deve ser considerado no cálculo.

     No
entanto, havendo a regra transitória, como há, está deve ser interpretada de
forma a assegurar o direito ao melhor benefício. Ou seja, o segurado que teve
contribuições maiores no período antecedente a julho de 1994, pode optar pela
regra definitiva haja vista ser essa que vai lhe conferir um valor maior de
aposentadoria.

     Não
corresponde à realidade, a meu ver, com todo respeito às posições em contrário,
o argumento de que a lei nova não agravou a situação dos segurados que já
estavam filiados ao RGPS antes de novembro de 1999, na medida em que a redação
original do art. 29 da Lei 8.213/1991 previa que os últimos salários de
contribuição eram apurados até o máximo de 36 (trinta e seis), em período
não-superior a 48 (quarenta e oito) meses, o que fazia retroagir o período
básico de cálculo (PBC) até no máximo 1995, enquanto, pela regra transitória da
Lei 9.876/1999, ampliou esse período para retroagir até julho de 1994.

 

     A lei de
transição só será benéfica para o segurado que computar mais e maiores
contribuições no período posterior a 1994, caso em que descartará as
contribuições menores no cálculo da média. Neste caso, sim, a norma transitória
cumpre o seu papel de produzir uma situação intermediária entre aquela prevista
na legislação revogada (cálculo da Renda Mensal Inicial – RMI considerados
apenas os últimos 36 salários de contribuição), que lhe era mais benéfica, e a
regra nova (que leva em conta todos os salários de contribuição, excluídos os
20% menores), menos favorável neste caso.

     Para o
segurado que realizou melhores contribuições antes de julho de 1994, a regra
lhe é prejudicial, pois resulta em um menor benefício. Efetivamente, os
segurados que reuniram os requisitos para obtenção do benefício na vigência do
art. 29 da Lei 8.213/1991, com a redação da Lei 9.876/1999, podem ter a sua
aposentadoria calculada tomando em consideração todo o período contributivo, ou
seja, abarcando as contribuições desde o seu início, as quais podem ter sido
muito maiores do que aquelas vertidas após 1994, em decorrência da redução
salarial com a consequente diminuição do valor recolhido à Previdência.

     Havia
uma legislação, veio a nova lei que agravou, e uma norma transitória, cuja
ideia era fazer a ponte entre a legislação passada melhor e essa um pouco mais
dura. E há um argumento do INSS de que, na verdade, essa nova legislação não
agravou. Agravou! Nós sabemos que não há uma reforma previdenciária que não
agrave a situação do segurado. Até agora, por uma série de motivos, nós não
tivemos nenhuma reforma previdenciária que melhore a situação do segurado.

     Cada
reforma previdenciária, seja constitucional, seja legal, sempre piora a
situação do segurado. Então, a lei nova agravou. Agravou na medida em que a
redação original do art. 29 previa que os últimos salários de contribuição eram
apurados até o máximo de 36 em período não superior a 48 anos, o que fazia uma
retroatividade do período básico de cálculo. Então, a lei anterior era mais
benéfica. A norma de transição, como me referi anteriormente, repito, só será
benéfica para o segurado que computar mais e maiores contribuições no período
posterior a 94. Só a esses; não aos demais que, na verdade, são a grande
maioria dos segurados que não entra nessa hipótese. A grande maioria dos
segurados que contribuíam antes da alteração legislativa de 99, essa grande
maioria acabou efetivamente sendo prejudicada.

     Eu até
acredito – porque acredito na boa fé do INSS e do legislador – que foi um erro
essa regra de transição naquele momento, porque somente os salários mais altos,
cuja contribuição aumentava perto da aposentadoria, é que se beneficiaram com a
regra de transição. Todos, todos os mais baixos, os menores valores foram
prejudicados. Então, aqui eu não diria que é vedação a retrocesso, aqui é uma
regra de transição esdrúxula.

     O INSS
argumenta que o impacto financeiro decorrente da aplicação da tese fixada pelo
Superior Tribunal de Justiça às aposentadorias por tempo de contribuição seria
de R$ 3,6 bilhões para o ano de 2020; R$ 16,4 bilhões para os últimos cinco
anos; R$ 26,4 bilhões para o período de 2021 a 2029, sem considerar os impactos
fiscais relacionados a outros benefícios previdenciários, tais como pensão por
morte, aposentadoria por idade e por invalidez.

     Segundo
afirma, existem 3.045.065 aposentadorias por tempo de contribuição ativas desde
2009 e, se metade delas requerer a revisão, o custo operacional estimado, é de
R$ 1,6 bilhão. Com efeito, as cifras acima impressionam. Todavia, deve se
atentar que a tese do STJ somente irá beneficiar aqueles segurados que foram
prejudicados no cálculo da renda mensal inicial do benefício, pela aplicação da
regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999, na hipótese de terem recolhido
mais e maiores contribuições no período anterior a julho de 1994.

     Ou
seja, a regra definitiva é benéfica para aqueles que ingressaram no sistema
antes de 1994, e que recebiam salários mais altos em momentos mais distantes em
comparação com os salários percebidos nos anos que antecederam a aposentadoria,
pois naquele primeiro período vertiam contribuições maiores para o INSS. Assim,
as contribuições mais longínquas, quando computados no cálculo da
aposentadoria, resultam em um benefício melhor.

     Para o
segmento da população com mais escolaridade, a lógica se inverte, pois estes
começam recebendo salários menores que vão aumentando ao longo da vida.
Portanto, para esses, a revisão da aposentadoria não se apresenta como uma
escolha favorável.

    Em
conclusão, Presidente, parece-me que negar a opção pela regra definitiva,
tornando a norma transitória obrigatória aos que ser filiaram ao RGPS antes de
1999, além de desconsiderar todo o histórico contributivo, o que já fere a
própria ideia de aposentadoria, em detrimento do segurado, causa-lhe prejuízo
em frontal colisão com o sentido da norma transitória, que é justamente a
preservação do valor dos benefícios previdenciários.

     Ao
aplicar a norma transitória para todos, nós teríamos ainda mais uma
desigualdade. Aqueles que ganham mais, aqueles que passaram, com o tempo, a
contribuir mais porque ganharam mais, esses vão ser beneficiados. Os que mais
necessitam e que, com o tempo, passaram a ganhar menos, em virtude da menor
escolaridade, esses vão ter quase 30% dos seus benefícios suprimidos. A própria
regra de transição favorece quem já é mais favorecido. Então não me parece que,
ao não permitirmos que esse segurado prejudicado possa optar pela regra definitiva,
não me parece que estejamos de acordo com os ditames constitucionais, a
determinação do art. 3º, um dos objetivos da República, de diminuir as
desigualdades, e o próprio princípio da igualdade previsto no art. 5º da
Constituição Federal.

     Com esse
entendimento não se está criando benefício ou vantagens previdenciárias, haja
vista que o pedido inicial é para serem consideradas as contribuições
previdenciárias efetivamente recolhidas em momento anterior a julho de 1994.

      Assim,
a luz da jurisprudência desta CORTE que determina que (i) aplicam-se as normas
vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para inatividade para o
cálculo da renda mensal inicial; e que (ii) deve-se observar o quadro mais favorável
ao beneficiário; conclui-se que:

 

o segurado que implementou as condições para o
benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26/11/1999, e antes
da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103/2019,
que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra
definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável.

III O caso concreto

 

     O
segurado filiou-se ao RGPS em 1976 e requereu o benefício de sua aposentadoria
em 2003, sob a vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, com redação da Lei
9.876/1999, e antes da EC 103/2019.

     O
benefício da sua aposentadoria foi calculado segundo a regra transitória do
art. 3º da Lei. 8.213/1991, o que resultou em um valor de R$ 1.493,59. Se fosse
aplicada no cálculo a regra definitiva, seus proventos seriam de R$ 1.823,00.
Ou seja, mostra que houve efetivo prejuízo a esse segurado.

     No
Superior Tribunal de Justiça, deu-se provimento ao Recurso Especial do
segurado, para reconhecer-lhe o direito de opção pela regra definitiva prevista
no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, por
lhe ser mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei
9.876/1999.

 

     Em
virtude disso, no caso concreto, o Recurso Extraordinário do INSS deve ser
desprovido.

 

     Assim,
nos termos da fundamentação aqui desenvolvida, deve-se reconhecer o direito de
opção pela regra definitiva do art. 29 da Lei 8.213/1991.

 

     Obrigado,
Presidente.

 

     Por
todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário.

     Fixo a
seguinte tese:

 

“O segurado que implementou as condições para o
benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26 de novembro de
1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais introduzidas pela EC
em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar
pela regra definitiva, acaso está lhe seja mais favorável”.

 

—————————— parei
pagina 82

 

RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

 

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

     O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN – Senhora
Presidente, agradeço a Vossa Excelência e, ao mesmo tempo, saúdo-a. Também
cumprimento a eminente Ministra Cármen Lúcia; os eminentes Pares; o Senhor
Procurador-Geral da República; as Senhoras e Senhores Advogados aqui presentes,
de modo especial, os ilustres Advogados da parte recorrente, de interessados,
amici curiae e também do INSS, que compareceram e fizeram sustentações orais
escorreitas, sempre aportando contribuições relevantes para o desate de
questões importantes como essa. Cumprimento os votos já proferidos.

     Nós já
temos 3 votos proferidos, uma vez que, iniciado o julgamento no Plenário
Virtual, Sua Excelência, o eminente Ministro Marco Aurélio, neste Recurso
Extraordinário 1.276.977, já houvera proferido voto. Registro que, naquela
oportunidade, eu o acompanhei e lancei o texto do voto-vogal no dia 5 de junho
de 2021, às 20h16, segundo registro do site eletrônico deste Tribunal.

     Estou
fazendo esse registro para, desde logo, acentuar que o voto lá proferido por
mim, tendo em vista o deslocamento para o Plenário presencial, poderia receber
alguma revisita se houvesse circunstância fática ou jurídica indicando nesse
sentido. No meu modo de ver, não há. Portanto, estou reiterando o voto
proferido, uma vez que já houvera – conforme disse – acompanhado o voto do
Relator pelo desprovimento do recurso extraordinário. Sua Excelência o eminente
Ministro Alexandre de Moraes, no Plenário Virtual, havia pedido vista e a
devolveu acompanhando o Relator. Agora, embora com teor de tese formalmente distinto,
mas substancialmente coerente com a tese já proposta pelo Relator originário,
manifesta-se pelo desprovimento.

     Por isso,
Senhora Presidente, irei juntar declaração de voto sobre essa matéria, na qual
reitero os argumentos, inclusive a questão aqui suscitada pelo eminente
Ministro Alexandre de Moraes, eis que, até ontem, na divergência do eminente
Ministro Nunes Marques, isso veio à tona, o tema da reserva de plenário.

     Peço
vênia à divergência. No meu entendimento, o que o Superior Tribunal de Justiça
aqui fez foi interpretar a norma e não realizar o controle constitucionalidade
– com o devido respeito – e o fez à luz do dever de fundamentação do art. 97 da
Constituição da República – matéria, aliás, que já constava do voto do Relator
originário, o Ministro Marco Aurélio.

     Portanto,
afasto essa circunstância para, efetivamente, conhecer do recurso e cito
diversos precedentes que vão nesta direção, aliás, por razão até de coerência,
menciono um julgamento de 2013, redator para o acórdão também o Ministro Marco
Aurélio, a Relatora originária foi a Ministra Ellen Gracie. Naquele Recurso
Extraordinário 630.501, já se assentou a observância do quadro mais favorável
ao beneficiário. Portanto, há uma linha de coerência, o que evidencia o
cumprimento de um dos deveres importantes, derivado do caput do art. 926 do
Código Fux de 2015, que é manter a jurisprudência estável, coerente e íntegra.

     Portanto,
faço esse registro em declaração de voto e ressalto, ademais, Senhora
Presidente, eminentes Pares, que o art. 201, § 11, da Constituição determina
que todos os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados
ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão
no cálculo dos benefícios.

 

     Demonstra-se,
assim, que a utilização de todos os salários de contribuição na regra
definitiva representa, com efeito, a observância do regime contributivo que
caracteriza o Regime Geral de Previdência Social, tal como desenhado na
Constituição da República.

     Por
isso, Senhora Presidente, de forma breve – a declaração de voto é mais extensa
-, eu reitero o voto que proferi, entendendo que deve ser aplicada aos
segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência até o dia anterior à
publicação da Lei no 9.876/ 1999 a regra definitiva, nos termos do art. 29, I e
II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando esta for
mais favorável que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, o
que restou agora didaticamente esmiuçado no lúcido voto do eminente Ministro
Alexandre de Moraes.

     Aliás, o
teor da tese proposta pelo Ministro Alexandre Moraes dá uma ancoragem
constitucional à matéria. Eu apenas observo isso porque,por ocasião da
repercussão geral, eu houvera votado para reconhecer a repercussão geral, mas
entender que o desate desse tema era infraconstitucional. Fiquei vencido.

     Portanto,
creio que o eminente Ministro Alexandre Moraes, em meu modo de ver, vai numa
direção bastante adequada ao formular uma tese que é coerente com a tese em
relação à qual eu já houvera me posto de acordo, da relatoria originária, mas a
eleva a um patamar de índole constitucional, fazendo jus ao reconhecimento de
questão constitucional com repercussão geral.

     Por
isso, Senhora Presidente, mantenho o voto. Assim, voto pelo desprovimento do
recurso extraordinário e, desde logo, estou de acordo com a tese – já estava de
acordo com a tese do voto originário – e também subscrevo o teor da tese
proposta pelo Ministro Alexandre Moraes.

É como voto, Senhora Presidente.

 

 

 

     O SENHOR
MINISTRO EDSON FACHIN: Senhor Presidente, cumprimento Vossa Excelência,
Ministro Luiz Fux, as eminentes Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, os
eminentes pares e, de modo especial, o eminente Ministro Marco Aurélio, Relator
do RE 1.276.977.

     Saúdo as
sustentações orais que fizeram aportar, por meio eletrônico, o Dr. Luis
Fernando Silva, pela Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em
Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS); o Dr. Diego
Monteiro Cherulli, pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP);
o Dr. Vitor Fernando Gonçalves Cordula, pelo Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) e o Dr. João Osvaldo Badari Zinsly Rodrigues, pelo Instituto de
Estudos Previdenciários (IEPREV).

     Conforme
consta do acutíssimo relatório apresentado pelo e.Ministro Marco Aurélio, que
adoto, trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do
Seguro Social em face de acórdão prolatado pela Primeira Seção do e. Superior
Tribunal de Justiça que, ao apreciar o Recurso Especial 1.554.596/SC sob a
sistemática dos recursos especiais repetitivos, assim decidiu:

     “PREVIDENCIARIO.
RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO
3/STJ. REVISAO DE BENEFÍCIO.SOBREPOSIÇAO DE NORMAS. APLICAÇAO DA REGRA DEFINITIVA
PREVISTA NO ART. 29, I E II, DA LEI 8.213/1991, NA APURAÇAO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO,
QUANDO MAIS FAVORAVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇAO CONTIDA NO ART. 3o DA LEI
9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO SISTEMA ANTES DE 26.11.1999 (DATA
DE EDIÇAO DA LEI 9.876/1999). CONCRETIZAÇAO DO DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO.
PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO
PROVIDO. 1. A Lei 9.876/1999 implementou nova regra de cálculo, ampliando
gradualmente a base de cálculo dos benefícios que passou a corresponder aos
maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período
contributivo do Segurado.

2. A nova legislação trouxe, também, uma regra de
transição, em seu art. 3o, estabelecendo que no cálculo do salário de benefício
dos Segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação
desta lei, o período básico de cálculo só abarcaria as contribuições vertidas a
partir de julho de 1994.

3. A norma transitória deve ser vista em seu
caráter protetivo. O propósito do artigo 3o da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos
foi estabelecer regras de transição que garantissem que os Segurados não fossem
atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.

4. Nesse passo, não se pode admitir que tendo o
Segurado vertido melhores contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos
sejam simplesmente descartados no momento da concessão de seu benefício, sem
analisar as consequências da medida na apuração do valor do benefício, sob pena
de infringência ao princípio da contrapartida.

5. É certo que o sistema de Previdência Social é
regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a necessidade
de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício, não se afigurando
razoável que o Segurado verta contribuições e não possa se utilizar delas no
cálculo de seu benefício.

6. A concessão do benefício previdenciário deve ser
regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou benéfica ao Segurado,
nos termos da orientação do STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o
recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos
requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de
cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico
de suas contribuições.

7. Desse modo, impõe-se reconhecer a possibilidade
de aplicação da regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991,
na apuração do salário de benefício, quando se revelar mais favorável do que a
regra de transição contida no art. 3°. da Lei 9.876/1999, respeitados os prazos
prescricionais e decadenciais. Afinal, por uma questão de racionalidade do
sistema normativo, a regra de transição não pode ser mais gravosa do que a
regra definitiva.

8. Com base nessas considerações, sugere-se a
fixação da seguinte tese: Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e
II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável
do que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, aos Segurados
que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à
publicação da Lei 9.876/1999.

9. Recurso Especial do Segurado provido.”

 

     No
Supremo Tribunal Federal, a repercussão geral foi reconhecida no Tema 1.102 que
trata da “possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a
aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei no 8.213/91,
quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3o da Lei
no 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência
Social antes da publicação da Lei no 9.876/99, ocorrida em 26/11/99”.

     Questiona-se,
em síntese, a forma de cálculo do salário-de-benefício de segurado que pretende
a revisão do valor de sua aposentadoria, para que o cálculo da renda mensal
inicial dos proventos seja feito com base na média de todos os
salários-de-contribuição, nos termos do art. 29 da Lei 8.213/1991, e não apenas
aqueles vertidos após julho/1994, como prescreve a regra de transição
inaugurada pelo art. 3o da Lei 9.876/1999.

     Julgado
improcedente em primeiro grau, com amparo na alegada ausência de direito
adquirido à aplicação da legislação anterior, a decisão foi mantida pela Quinta
Turma do e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou provimento ao
recurso, de modo a reconhecer a aplicabilidade da regra de transição.

     No
Superior Tribunal de Justiça, o agravo em recurso especial foi convertido em
recurso especial, com a afetação ao rito dos repetitivos e a suspensão de
processos em todo o território nacional, inclusive aqueles em tramitação pelo
rito dos juizados especiais.

     O
Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso especial,
decisão adotada por unanimidade pelos Ministros componentes da 1a Seção do STJ.

     Sobreveio,
então, recurso extraordinário, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro
Social, com amparo no art. 102, III,a, da Constituição, em que se alega ofensa
aos arts. 2o; 5o, caput; 97; 195, §§ 4o e 5o; e 201, todos da CRFB, bem como ao
art. 26 da Emenda Constitucional 103/2019, “que também limitou o cálculo de
benefícios previdenciários aos salários de contribuição vertidos ao sistema a
partir de julho/1994”

.     O INSS
argumenta pela violação à cláusula de reserva de Plenário, tendo em vista que a
não aplicação do art. 3o da Lei 9.876/1999, por incompatibilidade com o texto
constitucional, equivaleria à declaração de sua inconstitucionalidade.

     Sustenta
a impossibilidade de coexistência de duas regras e advoga pela aplicação de uma
regra única, aplicável ao cálculo de todos os segurados, com a consequente
limitação do cômputo para aposentadoria apenas das contribuições feitas a
contar de julho de 1994.

     Sublinha
que esta foi a opção do legislador, ao excluir o período contributivo anterior
à nova legislação.

     Ao
final, requer o provimento do recurso, de modo a fixar-se a seguinte tese “no
sentido da impossibilidade de se reconhecer ao segurado que ingressou na
Previdência antes da publicação da Lei 9.876/99 o direito de opção entre a
regra do art. 3o do mencionado diploma e a regra do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91”.

     Registro,
Senhor Presidente, que estou de acordo com as balizas fixadas em seu
percuciente voto pelo e. Ministro Relator, no que se refere à aplicação do art.
97 da CRFB, ponto em que Sua Excelência fez constar que não cabe “confundir
simples interpretação de norma, à luz do caso concreto, com declaração de
inconstitucionalidade”.

     Em
relação ao mérito, embora entenda que a matéria demanda disciplina de norma
infraconstitucional, motivo pelo qual assentei a compreensão de que há
repercussão geral na discussão em tela, embora ausente questão constitucional,
no que fiquei vencido, também acompanho o e. Ministro Relator, pelo desprovimento
do recurso.

     Nesse
sentido, vale ressaltar que o Tema 1102, como já referido, versa sobre a
aplicação da regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991,
na apuração do salário-de-benefício, quando mais favorável que a regra de
transição do art. 3o da Lei 9.876/1999, aos segurados que ingressaram no Regime
Geral de Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.

     No
julgamento levado a efeito no âmbito do e. Superior Tribunal de Justiça, o Relator
do recurso especial, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, fez constar, em trecho
também sublinhado pela d. Procuradoria-Geral da República que:

 

“(…) A regra de transição, como tal, somente deve
ser aplicada se a regra nova não for mais benéfica ao segurado. Ou seja, se a
média dos 80% maiores salários de contribuição do autor (regra nova) resultar
em um salário de benefício maior que a média dos 80% maiores salários de
contribuição a partir de julho de 1994 (regra de transição), deve-se aplicar a nova
regra, assegurando a percepção ao melhor benefício, que melhor reflita o seu
histórico contributivo com o RGPS”.

 

     Para o
deslinde da demanda, portanto, impõe-se verificar o direito ao melhor
benefício, no âmbito do Regime Geral da Previdência Social.

     Questiona-se,
afinal, a possibilidade de aplicação da regra definitiva, em detrimento da
transitória, pelos filiados que ingressaram no Regime Geral da Previdência
Social até o dia anterior ao da publicação da lei nova, quando mais favorável
ao contribuinte.

     O
Supremo Tribunal Federal reconheceu a necessidade de se conferir efeitos ex
nunc às decisões administrativas que modificam posicionamentos anteriores, a
fim de dar segurança jurídica a atos já consolidados e até mesmo para evitar
que justificativas como “orçamento público” sejam utilizadas para rever atos
dos quais decorram efeitos financeiros favoráveis ao beneficiário. Precedente:
AO 1.656, Rel. Min.Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 10.10.2014.

     Em
matéria previdenciária, o STF também reconheceu o direito do segurado à
percepção do melhor benefício em precedente também citado pelo e. Ministro
Relator, cuja ementa reproduzo:

 

     “APOSENTADORIA
– PROVENTOS – CÁLCULO.

Cumpre observar o quadro mais favorável ao
beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior
ao implemento das condições legais. Considerações sobre o instituto do direito
adquirido, na voz abalizada da relatora – ministra Ellen Gracie –, subscritas
pela maioria”. (RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio,
Tribunal Pleno, julgado em 21.02.2013).

 

Sublinho trecho do voto proferido naquele caso pela
e. Ministra Ellen Gracie:

 

    
“Atribuo os efeitos de repercussão geral ao acolhimento da tese do
direito adquirido ao melhor benefício, assegurando-se a possibilidade de os
segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados de modo que correspondam
à maior renda mensal inicial possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas
mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o
benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria
proporcional, com efeitos financeiros a contar do desligamento do emprego ou da
data de entrada do requerimento, respeitadas a decadência do direito à revisão
e a prescrição quanto às prestações vencidas”

 

Nesse sentido, desconsiderar os recolhimentos
efetuados pelos contribuintes antes da competência de julho de 1994
significaria, como bem ressaltou em parecer lançado aos autos a d.
Procuradoria-Geral da República, contrariar o direito ao melhor benefício e a
expectativa do contribuinte, expectativa esta que se ampara no princípio da
segurança jurídica, de ter levadas em conta, na composição do salário de benefício,
as melhores contribuições de todo o período considerado.

Trata-se de enfoque que permite afastar a limitação
temporal, considerando-se a regra definitiva, de modo a alcançar os
recolhimentos efetivamente realizados. Assim, não há violação ao equilíbrio
atuarial, na medida em que as contribuições foram vertidas e devem ser
consideradas para o cálculo mais vantajoso ao segurado da renda mensal inicial
do salário-de-benefício.

Afinal, o escopo de se instituir um regime
transitório ou uma regra de transição reside, exatamente, no princípio da
segurança jurídica, de modo a tutelar a proteção da confiança.

Essa é a razão pela qual não guarda harmonia com o
sistema constitucional ou com a jurisprudência do STF que admite o direito ao melhor
benefício regra de transição que seja mais gravosa do que a regra definitiva. A
regra de transição, afinal, é engendrada para reduzir o dano à expectativa de
direito dos segurados decorrente do novo regime jurídico instituído pela
legislação mais moderna.

É preciso ressaltar, ademais, que o art. 201, § 11
da Constituição de 1988 determina que todos os ganhos habituais do empregado, a
qualquer título, serão incorporados ao salário para efeitos de contribuição previdenciária
e consequente repercussão no cálculo dos benefícios.

Demonstra-se, assim, que a utilização de todos os
salários-de-contribuição na regra definitiva representa, com efeito,
observância do caráter contributivo, que caracteriza o Regime Geral de
Previdência Social tal como foi desenhado pela CRFB.

Ainda, tal como apontou a d. Procuradoria-Geral da
República, a exposição de motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, que originou a
Lei 9.876/1999, demonstra que a regra de transição em questão foi criada para mitigar
os efeitos da regra permanente, considerando que, a contar de julho de 1994,
com o Plano Real, haveria reduzidos níveis de inflação, o que permitiria
minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos
rendimentos dos trabalhadores.

A motivação expressa para a finalidade da regra de
transição do artigo 3o da Lei 9.876/99, portanto, seria favorecer os segurados
já filiados ao RGPS antes da data da sua vigência. O escopo da regra coaduna-se
com a finalidade típica das normas de transição de regimes previdenciários, com
a finalidade de assegurar a segurança jurídica das relações.

Manifesto, portanto, Senhor Presidente, minha
concordância com o voto do e. Ministro Relator. Tal como Sua Excelência,
entendo que deve ser aplicada, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da
Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999, a regra
definitiva, nos termos do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário-de-benefício, quando esta for mais favorável do que a regra de
transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999.

Diante do exposto, homenageando conclusões
diversas, nego provimento ao recurso extraordinário e consigno que estou de
acordo com a proposta de tese formulada pelo e. Ministro Relator: “Na apuração do
salário de benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência
Social até o dia anterior à publicação da Lei no 9.876/1999 e implementaram os
requisitos para aposentadoria na vigência do diploma, aplica-se a regra
definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei no 8.213/1991,quando
mais favorável que a norma de transição”.

É como voto.

 

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – Muito boa tarde, Presidente, Ministra Cármen,
nosso Ministro Decano, Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da
República, Doutor Augusto Aras, Senhora Secretária de Plenário, Doutora Carmen
Lilian.

Cumprimento os ilustres advogados que estiveram na
tribuna: pelo INSS, Doutora Bruna Maria Palhano, Doutora Gisele Lemos
Kravchychyn e Doutor Diego Monteiro Cherulli; pelo IBDP, Doutor João Osvaldo Badari
Zinsly Rodrigues e Doutor Luis Fernando Silva; e o ilustre Procurador-Geral.

A questão, em minha visão, é juridicamente simples,
mas envolve complexidades sociais relevantes. Vou tentar, muito brevemente –
meu voto é breve -, colocar a questão na dimensão que me parece própria.

Está aqui em discussão a regra de cálculo do
benefício da previdência social no âmbito do Regime Geral da Previdência,
portanto, o regime de previdência que se aplica aos trabalhadores da iniciativa
privada, administrado pelo INSS.

Essa legislação, que cuidava do Regime Geral da
Previdência, previa uma regra de cálculo do benefício da aposentadoria. Por
exemplo, esse benefício era calculado pela média dos 36 últimos salários de contribuição.
Essa era a regra que vigia, instituída pela Lei no 8.213/91 – trinta e seis
últimos salários de contribuição.

Sobreveio, em 1999, pela Lei no 9.876, uma nova
regra: o benefício passou a ser calculado com base na média não mais dos 36
últimos salários de contribuição, mas na média de 80% de todo o período. Portanto,
deixou de ser apenas o período final e passou a ser a média de todo o período
de contribuição. Essa foi a nova regra instituída.

Ao instituir a nova regra, essa lei de 1999 previu
uma regra transitória, que seria aplicável àqueles que já estavam no sistema
desde antes dessa modificação e que ainda não se haviam aposentado. A regra de
transição prevista diz que o cálculo vai ser feito da seguinte forma: a média
aritmética dos maiores salários de 80% do período contributivo – a mesma regra
definitiva -, porém, computados apenas a partir de julho de 1994.

Tínhamos uma regra permanente anterior – 36 últimos
-, passamos a ter a regra que era a média de contribuição de todo o período e a
regra de transição, que estabeleceu a média de todo o período, computado a
partir de julho de 1994. O que fez a regra de transição? Estabeleceu um corte a
partir do Plano Real, a partir do momento em que houve a estabilização da
moeda. Com isso, afastou do processo de cálculo o caos monetário inflacionário
e os múltiplos planos e múltiplos índices de reajuste que existiam antes do
Plano Real. Essa foi a regra transitória que estamos aqui discutindo: se foi
legítima, ou não, a opção do legislador de estabelecer que o cálculo só deveria
se dar a partir do Plano Real, a partir de 1994.

A decisão na origem foi desfavorável à pretensão do
contribuinte. A decisão originária foi no sentido de que a regra transitória se
aplicava, era legítima e deveria valer. O Superior Tribunal de Justiça, no
entanto, reformou a decisão da instância originária.

Aqui, acho que se coloca a questão constitucional
mais delicada que estamos discutindo. Em teoria do Direito, existem os chamados
casos fáceis e os chamados casos difíceis. Os casos fáceis são aqueles para os quais
existe uma solução pré-pronta no ordenamento jurídico. Os casos difíceis são
aqueles para os quais não há uma solução nítida pré-pronta e você precisa resolver
o problema aplicando um princípio ou um conceito jurídico indeterminado.

Por esse critério, do ponto de vista jurídico, esse
é um caso fácil, porque existe uma regra expressa que dá a solução para o
problema que estamos enfrentando. O que aconteceu, no entanto, foi que o
Superior Tribunal de Justiça entendeu que essa regra não era justa, que se
causaria uma injustiça a esse contribuinte, a esse segurado, se se aplicasse a
regra de transição.

Com todas as vênias de quem entenda diferentemente,
justiça ou não justiça não é um critério voluntarista de juiz ou de tribunal. A
justiça ou injustiça de uma lei é aferida com base na Constituição, com base
nos valores que a Constituição institui. Para um tribunal dizer: “Não aplico essa
lei, porque a considero injusta”, ele está dizendo: “Não aplico essa lei,
porque a considero incompatível com a Constituição”. Mesmo que ela não seja
incompatível, em tese, no seu relato, ela pode ser incompatível em uma
incidência concreta específica, aí temos uma declaração de inconstitucionalidade
sem pronúncia de nulidade – você considera inconstitucional aquela incidência
da norma, mas não a norma em si.

Com a devida vênia dos entendimentos contrários,
acho que foi exatamente isso que fez o Superior Tribunal de Justiça: entendeu
que essa norma, naquela incidência, era uma norma inconstitucional.

Se assim é, peço vênia aos entendimentos
contrários, mas houve sim uma declaração incidental de inconstitucionalidade
dessa norma sem pronúncia de nulidade. Aí incide, na minha visão, o art. 97 da Constituição,
que institui que somente o Plenário ou o Órgão Especial dos tribunais podem
declarar uma lei inconstitucional. Essa decisão do Superior Tribunal de Justiça
foi tomada pela Seção e não pela Corte Especial, que era o órgão competente
para dizer: “Essa incidência é inconstitucional”.

Não entendo aqui, respeitando as posições
contrárias já manifestadas, que havia duas interpretações razoáveis, e o
Superior Tribunal de Justiça escolheu uma. A norma era claríssima: a quem já estava
no sistema ainda não aposentado quando da vigência da lei aplicava-se a regra
de transição – ali não tinha nenhuma exceção prevista.

A exceção que se criou foi uma exceção que
considerou inconstitucional a incidência da norma. É diferente de uma norma que
comporte uma ou mais interpretações e a escolha de uma não importe em
declaração de inconstitucionalidade.

Aqui, com todas as vênias, ao ler a literalidade do
dispositivo, não vejo possibilidade de mais de uma interpretação. Como as
regras são aplicadas na modalidade tudo ou nada, se você não aplica uma regra é
porque você a considerou inconstitucional.

De modo que assento meu entendimento de que a
hipótese é de retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para que a
decisão seja tomada pelo órgão competente, que é a Corte Especial.

Como todos os demais Colegas seguiram viagem depois
de decidir essa questão prévia, também vou opinar, Presidente, no mérito, para
já concluir meu voto.

Acrescento que entendo igualmente que não há inconstitucionalidade
material nessa norma. Vislumbrei inconstitucionalidade formal no julgamento
pelo Superior Tribunal de Justiça, porque a decisão não foi do Plenário ou da
Corte Especial, porém, no mérito, não vislumbro inconstitucionalidade material
na norma de transição. Tanto não há, Presidente, parece-me,
inconstitucionalidade material que essa se tornou a regra geral com a
superveniência da Emenda Constitucional no 103. A regra geral no sistema passou
a ser computar as contribuições pós 1994.

Por que a mim me parece que foi legítima, quando
não desejável, a opção feita pelo legislador? O que se fez aqui foi evitar
importar, para o sistema previdenciário, toda a litigiosidade que o país viveu
antes do Plano Real, de todos aqueles planos econômicos. Vamos discutir, rediscutir,
se isso se reabrir, quais os índices de reajuste, quais os critérios e se o
Plano Real afetou ou não afetou o valor real das aposentadorias.

O acordo que o Supremo Tribunal Federal conduziu,
sob a coordenação do Ministro Ricardo Lewandowski, relativo aos planos econômicos,
extinguiu – confirmei agora com Sua Excelência – mais de quatrocentos mil
processos. Vamos reabrir essa discussão, só que em âmbito previdenciário, de
saber que impacto produziram os planos econômicos anteriores ao Plano Real.
Vamos voltar a discutir Plano Collor, Plano Verão, Plano Bresser, Plano Cruzado
1, Plano Cruzado 2,
que penso ser uma
discussão que o legislador legitimamente quis evitar.

Vamos ter uma nova inundação de processos
discutindo planos econômicos relativos a todas as pessoas que se vão empenhar, compreensivelmente,
em demonstrar que, no período pretérito ao Plano Real, não se fizeram os
reajustes desejáveis ou esperados.

Acho que o legislador andou bem em não deixar esta
litigância toda ser reavivada. Mais de quase vinte anos depois do Plano Real,
vamos reabrir essas discussões. De modo que considero legítima a não exumação desses
cadáveres.

É claro que eu, como qualquer pessoa normal e de
bom coração, gostaria de ser o mais generoso possível com todos os segurados do
INSS, por certo, mas temos também outras considerações importantes que envolvem
desde responsabilidade fiscal até minimização da litigiosidade – desde que não
haja uma inconstitucionalidade, porque, se houvesse uma inconstitucionalidade,
eu, evidentemente, a pronunciaria independentemente do custo fiscal. Não acho
que haja inconstitucionalidade em uma opção que considero perfeitamente legítima,
de não voltarmos no tempo para discussões pré 1994, Presidente.

Por essas razões, que procurei sinteticamente
abreviar, estou dando provimento ao recurso para restabelecer a decisão de
origem, que era uma decisão de improcedência do pedido.

É como voto.

 

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – Senhora Presidente, primeiramente, queria saudar
Vossa Excelência, Ministra Rosa Weber, nossa Presidente; o ilustre
representante do Ministério Público, Augusto Aras; saudar os Colegas na pessoa
da Ministra Cármen Lúcia e do nosso Decano, Ministro Gilmar Mendes; e também os
Advogados que brilhantemente ocuparam essa tribuna.

Senhora Presidente, no meu modo de ver, mais
inquietante para o povo, que é destinatário da jurisdição, é a incoerência de
que o juiz não sabe Direito. Então, mantendo a coerência que acho algo
importante, o Ministro Fachin citou realmente um dos trechos do artigo “A jurisprudência
deve ser estável”, mas ali está escrito “coerente e íntegra”, para
que não haja uma jurisprudência lotérica.

Na oportunidade do Plenário Virtual, eu também dei
provimento ao recurso do INSS. Eu destaquei também que esse artigo da Lei no
9.876 foi afirmado pelo Plenário da Corte Constitucional há mais de 20 anos.
Essa é uma questão de segurança jurídica.

Por outro lado, a lei posterior modifica a lei
anterior, o segundo aspecto. O Superior Tribunal de Justiça, na forma da nossa
Súmula 10, ao não fazer incidir a nova lei, ele se equiparou a uma declaração
de inconstitucionalidade. Isso aqui foi bem destacado pelo Ministro Luís Roberto
Barroso.

Então, naquela oportunidade, eu destaquei vários
aspectos. Vou juntar o voto do Plenário Virtual.

Sem mais delongas, até porque o Ministro Luís
Roberto Barroso não deixou pedra sobre pedra, eu também estou, aqui, dando
provimento ao recurso, nos termos do voto do Ministro Nunes Marques.

A tese que eu, até então, também acompanho, salvo
deliberação diversa, é que é compatível com a Constituição Federal a regra
disposta no caput do art. 3o da Lei no 9.876/99.

Com a devida vênia, eu entendo que essa lei não tem
como ratio essendi beneficiar segurado, não. Tem como ratio essendi proteger o Instituto
Nacional, o INSS. Então, nem numa interpretação teleológica eu me voltaria com
essa ótica de defesa do segurado.

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

 

VOTO

 

RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.

PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 3° DA LEI 9.876/99. REGRA DE
TRANSIÇÃO PARA CÁLCULO DE BENEFÍCIOS. EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DO
SISTEMA PREVIDENCIÁRIO.

CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. RECURSO PROVIDO COM
FIXAÇÃO DE TESE.

1. A constitucionalidade do artigo 3° da Lei
9.876/99 já foi afirmada pelo Plenário do STF, no julgamento da ADI 2.111-MC.
Decisão proferida há mais de 20 anos.

Necessidade de manutenção da segurança jurídica.

2. Acórdão recorrido que cria nova forma de cálculo
do valor do benefício previdenciário sem previsão legal, indicação da fonte de
custeio integral ou cálculo atuarial. Afronta aos artigos 195, § 5°, e 201 da
CRFB.

3. Norma legal impugnada que cria regra de transição
para garantir a higidez do sistema previdenciário após cenário de hiperinflação
anterior ao Plano Real.

Impossibilidade de o Judiciário criar nova forma de
cálculo mais favorável a um grupo específico de segurados, ameaçando o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o RGPS, em desarmonia com o princípio da solidariedade.

4. PROVIMENTO DO RECURSO com fixação de tese, nos termos do voto do
Min.Nunes Marques.

 

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com arrimo no art. 102, inciso III,
alínea a, da Constituição Federal, impugnando acórdão da Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça.

A decisão recorrida assentou a seguinte tese:
“aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei
8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a
regra de transição contida no art. 3° da Lei 9.876/1999, aos segurados que
ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à
publicação da Lei 9.876/1999”.

No seu recurso extraordinário, o recorrente apontou
violação aos arts. 2°, 5°, caput, 97, 195, §§ 4° e 5°, e 201, todos da
Constituição Federal, além do art. 26 da Emenda Constitucional 103/2019.

Em contrarrazões, o recorrido aduziu que a
discussão travada no recurso extraordinário teria caráter infraconstitucional,
conforme a jurisprudência do STF.

O Tribunal reconheceu a existência de repercussão
geral da questão constitucional suscitada.

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo
desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

O Min. Nunes Marques apresentou voto no sentido do
provimento do recurso, tendo em vista que “a alegação de inconstitucionalidade
do art. 2o e do art. 3o da Lei 9.876/99 já foi rechaçada pelo STF no julgamento
da Medida Cautelar na ADI 2.111” e que a “limitação temporal estipulada no art.
3o da Lei 9.876/1999 se apresenta como uma opção legislativa que teve como
razão de ser o razoável escopo de se evitar dificuldades operacionais
intransponíveis causadas pelo cômputo de contribuições previdenciárias
anteriores à implementação do Plano Real”. Além disso, frisou que “o
acolhimento da tese autoral produziria ainda a anti-isonômica situação da coexistência
de dois formatos distintos para a mesma categoria de segurados filiados antes
de novembro de 1999: um modelo mais restritivo, com período contributivo
limitado à média de 36 (trinta e seis) contribuições em um intervalo não
superior a 48 (quarenta e oito) meses; e outro, bem mais benéfico e
complacente, contemplando as contribuições vertidas ao longo de todo o período
contributivo”.

Entendo que essa posição está correta.

De fato, a constitucionalidade dos artigos 2° e 3°
da Lei 9.876/99 já foi afirmada, em sede liminar, pelo Plenário do STF, no
julgamento da ADI 2.111-MC:

 

“O TRIBUNAL, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECEU DA AÇÃO
DIRETA POR ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI No 9.868/99. PROSSEGUINDO
NO JULGAMENTO, O TRIBUNAL, POR MAIORIA, INDEFERIU O PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR RELATIVAMENTE
AO ART. 2o DA LEI No 9.876/99, NA PARTE EM QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 29,
CAPUT, SEUS INCISOS E PARÁGRAFOS DA LEI No 8.213/91, NOS TERMOS DO VOTO DO
SENHOR MINISTRO RELATOR, VENCIDO O SENHOR MINISTRO MARCO AURELIO, QUE O
DEFERIA.

AINDA POR MAIORIA, O TRIBUNAL INDEFERIU O PEDIDO DE
SUSPENSÃO CAUTELAR DO ART. 3o DA LEI No 9.876/99,

VENCIDO O SENHOR MINISTRO MARCO AURELIO. VOTOU O
PRESIDENTE.” (Rel. Min. Sidney Sanches, julgado em 16/3/2000).

 

O simples fato de essa liminar estar em vigor há
mais de 20 anos já recomendaria a manutenção desse entendimento para
preservação da segurança jurídica.

De qualquer forma, não há inconstitucionalidade nos
dispositivos legais atacados. A Lei 9.876/99, no seu artigo 2°, ao dar nova
redação ao art. 29, I e II, da Lei 8.213/91, criou nova regra de cálculo dos
benefícios previdenciários, passando a considerar “a média aritmética simples
dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo
o período contributivo”. Essa regra passou a valer para todos os segurados que
ingressaram no RGPS após a edição da lei, em 1999.

Para aqueles que eram segurados já na data de
edição da Lei 9.876/99, o seu artigo 3° criou regra de transição, considerando
“a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição,
correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo
decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I
e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei”.

Na prática, dentre aqueles que foram abrangidos
pela regra de transição, alguns foram beneficiados com a limitação temporal
destacada (julho de 1994), porque tinham vertido contribuições maiores após
essa data, enquanto outros, que efetuaram contribuições maiores antes dessa data,
ficaram prejudicados.

A lei, contudo, não franqueou ao segurado alcançado
pela regra de transição optar pela consideração do período anterior a julho de
1994, se lhe fosse mais favorável.

Dessa forma, a prosperar a tese da possibilidade de
consideração desse período anterior a julho de 1994, estaria o Judiciário
criando nova forma de cálculo de benefício sem respaldo legal e sem qualquer
cálculo de equilíbrio financeiro e atuarial. E vale ressaltar, nesse contexto,
que estaríamos introduzindo um período longo de hiperinflação, anterior ao Plano
Real, num cálculo previdenciário projetado para um período de estabilidade
econômica, o que provavelmente geraria o desequilíbrio do RGPS.

Por tais motivos, tem razão o Min. Nunes Marques ao
dar provimento ao recurso, na medida em que a decisão recorrida afrontou os artigos
195, § 5°, e 201, caput, da CRFB, ao instituir nova forma de cálculo de
benefício sem previsão legal, sem indicação de fonte de custeio integral e sem
cálculo atuarial.

A tese proposta, que assenta a constitucionalidade
do art. 3° da Lei 9.876/99, talvez merecesse maior discussão no bojo da ADI
2.111 (mérito),que tem precisamente esse objeto. Isso não afasta a constatação
de que a tese está correta, pois a regra legal em questão criou regime de
transição necessário para que se assegurasse a higidez do RGPS em momento crítico
da economia brasileira. Não cabe ao Judiciário desconsiderar o cálculo atuarial
então realizado por vislumbrar a possibilidade de um cálculo mais favorável
para alguns segurados, comprometendo todo o sistema, em desarmonia total com o
princípio da solidariedade que informa o direito previdenciário.

Ex positis, DOU
PROVIMENTO
ao recurso, acolhendo a tese proposta pelo Min. Nunes Marques.

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977
DISTRITO FEDERAL

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Boa tarde, Senhora Presidente, Senhora Ministra
Cármen Lúcia, Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da República, Dr.
Augusto Aras, Senhoras e Senhores Procuradores e Advogados que atuaram na
tribuna.

Como sempre, fazendo de maneira bastante rápida,
reafirmando o voto que já proferira no Plenário Virtual, eu também, pedindo
vênia ao eminente Relator e aos que o acompanham, acompanho a divergência, Senhora
Presidente.

É como voto.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

 

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Senhora
Presidente; Senhores Ministros; Senhor Procurador-Geral da República; Senhores
Advogados, meus cumprimentos especiais aos que fizeram uso da tribuna na tarde
de ontem; Senhores Advogados aqui presentes; estudantes, principalmente;
Senhores Servidores.

Senhora Presidente, eu também tenho voto por
escrito para ser juntado.

Como Vossa Excelência anunciou, desde o início,
aqui se tem um julgamento que já tinha sido formulado, pelo menos na tomada de
votos,

na maioria. Eu também já tinha votado.

Estou retificando, portanto, o voto que apresentei
no Plenário Virtual no sentido de, com todas as vênias da divergência aqui
inaugurada pelo Ministro Nunes Marques e que foi acompanhado pelos Ministros
Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, negar provimento ao recurso, seguindo, portanto,
o voto do Ministro-Relator.

Em meu voto, Senhora Presidente, estou apresentando
fundamentos quanto ao art. 10, o que, na esteira do voto que se teve do
Ministro Marco Aurélio, Relator, e até do parecer da Procuradoria-Geral da
República, o que se teve foi a interpretação da norma infraconstitucional e a
sua aplicação.

Em meu voto, Senhora Presidente, estou apresentando
fundamentos quanto ao art. 10, o que, na esteira do voto que se teve do
Ministro Marco Aurélio, Relator, e até do parecer da Procuradoria-Geral da República,
o que se teve foi a interpretação da norma infraconstitucional e a sua aplicação.

Neste caso aqui, em que agora enfatizado pelo
Ministro Alexandre de Moraes e pelo Ministro Fachin, ao fazer menção ao que
expôs, aqui, neste Plenário, o Ministro Alexandre, aqui o que se teve foi que
estamos examinando, do ponto de vista constitucional, no sentido de não ter havido,
na parte, portanto, do que foi exposto pelo Relator, na decisão do Superior
Tribunal de Justiça, nenhuma agressão, nenhuma ofensa à Constituição.

Eu estou, Senhora Presidente, ratificando, como
disse, o voto que apresentei no Plenário Virtual no sentido de acompanhar o
Relator pelo desprovimento do recurso e fazendo a juntada do voto escrito.

       

  Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

 

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

 

 

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.276.977 DISTRITO FEDERAL

 

V O T O

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Vogal):

1.    
Recurso extraordinário
interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra acórdão
proferido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça:

 

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL
AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISÃO DE
BENEFÍCIO. SOBREPOSIÇÃO DE NORMAS. APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA PREVISTA

NO ART. 29, I E II DA LEI
8.213/1991, NA APURAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORÁVEL DO QUE A
REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 3o DA LEI

9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE
INGRESSARAM NO SISTEMA ANTES DE 26.11.1999 (DATA DE EDIÇÃO DA LEI 9.876/1999).
CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO
DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.

 

1.    
A Lei 9.876/1999
implementou nova regra de cálculo, ampliando gradualmente a base de cálculo dos
benefícios que passou a corresponder aos maiores salários de contribuição
correspondentes a 80% de todo o período contributivo do Segurado.

2.    
A nova legislação
trouxe, também, uma regra de transição, em seu art. 3o, estabelecendo que no
cálculo do salário de benefício dos Segurados filiados à Previdência Social até
o dia anterior à data de publicação desta lei, o período básico de cálculo só
abarcaria as contribuições vertidas a partir de julho de 1994.

3.    
A norma
transitória deve ser vista em seu caráter protetivo.

O propósito do artigo 3o da Lei 9.876/1999 e seus
parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os Segurados
não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos
benefícios.

 

4.    
Nesse passo, não
se pode admitir que tendo o Segurado vertido melhores contribuições antes de
julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no momento da
concessão de seu benefício, sem analisar as consequências da medida na apuração
do valor do benefício, sob pena de infringência ao princípio da contrapartida.

 

5.    
 É certo que o sistema de Previdência Social é
regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a necessidade
de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício, não se
afigurando razoável que o Segurado verta contribuições e não possa se utilizar
delas no cálculo de seu benefício.

 

6.    
A concessão do
benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência da condição
mais vantajosa ou benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do STF e do
STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação previdenciária
mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando,
consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a
maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas contribuições.

 

7.    
 Desse modo, impõe-se reconhecer a
possibilidade de aplicação da regra definitiva prevista no art. 29, I e II da
Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando se revelar mais favorável
do que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, respeitados
os prazos prescricionais e decadenciais. Afinal, por uma questão de
racionalidade do sistema normativo, a regra de transição não pode ser mais
gravosa do que a regra definitiva. Com base nessas considerações, sugere-se a
fixação da seguinte tese: Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e
II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais
favorável do que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, aos
Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia
anterior à publicação da Lei 9.876/1999. 9. Recurso Especial do Segurado provido”.

 

2.    
O Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS interpôs recurso extraordinário e sustentou
que “o acórdão recorrido – ao reconhecer aos segurados que ingressaram na
Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/99 o direito de
opção, na apuração do seu salário-de-benefício, entre a regra ‘de transição’
estabelecida no art. 3o da Lei 9.876/99 e a regra ‘definitiva’ estabelecida no
art. 29, I e II, da Lei 8.213/91” afrontou o princípio da separação de poderes,
o princípio da isonomia, a cláusula de reserva de plenário, os §§ 4o e 5o do
art. 195 e o art. 201 da Constituição da República (fl. 218, e-doc. 4).

 Pediu fosse “provido o recurso extraordinário, a
fim de que seja reformado   o acórdão
proferido pelo e. STJ em recurso especial repetitivo, fixando-se tese, em
regime de repercussão, geral no sentido da impossibilidade de se reconhecer ao
segurado que ingressou na Previdência antes da publicação da Lei 9.876/99 o direito
de opção entre a regra do art. 3o da Lei 9.876/99 e a regra do art. 29, I e II,
da Lei 8.213/91”.

 

3.    
Em 27.8.2020, este
Supremo Tribunal reconheceu a repercussão geral da matéria (Tema 1.102):

 

 “Recurso extraordinário. Previdenciário.
Revisão de benefício. Cálculo do salário-de-benefício. Segurados filiados ao
Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até a data de publicação da Lei no
9.876/99. Aplicação da regra definitiva doart. 29, inc. I e II, da Lei no
8.213/91 ou da regra de transição do art. 3o da Lei no 9.876/99. Presença de
repercussão geral”.

 

 

4.    
O Procurador-Geral da
República opinou pelo desprovimento do recurso extraordinário:

 

    
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.102.
ART. 3o DA LEI 9.876/1999. REGRA TRANSITÓRIA. SEGURADO INGRESSANTE NO RGPS
ANTES DE 26/11/99.

DESCONSIDERAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES
ANTERIORES À COMPETÊNCIA DE JULHO DE 1994.

DESFAVORECIMENTO. REGRA DEFINITIVA.
ART 29, I E II, DA LEI 8.213/1991. APLICABILIDADE. POSTULADO DA SEGURANÇA
JURÍDICA. MELHOR

 

 

BENEFÍCIO.DESPROVIMENTO DO RECURSO.

 

1.     
Recurso
Extraordinário representativo do Tema 1.102 da sistemática da Repercussão
Geral, referente à ‘possibilidade de revisão de benefício previdenciário
mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei
no 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo
3o da Lei no 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de
Previdência Social antes da publicação da Lei no 9.876/99, ocorrida em
26/11/99’.

 

2.     
 As regras transitórias são editadas a fim de
se garantir o postulado da segurança jurídica, respeitando-se as situações
consolidadas no tempo.

 

3.     
Segundo a
exposição de motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, que originou a Lei
9.876/1999, a regra transitória foi criada com o objetivo de mitigar os efeitos
da regra permanente, considerando que o período a contar de julho de 1994
coincide com o período do Plano Real, de reduzidos níveis de inflação, o que
permitiria minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário
nos rendimentos dos trabalhadores.

 

4.     
Desconsiderar o
efetivo recolhimento das contribuições realizado antes de 1994 vai de encontro
ao direito ao melhor benefício e à expectativa do contribuinte, amparada no
princípio da segurança jurídica, de ter consideradas na composição do
salário-de-benefício as melhores contribuições de todo o seu período
contributivo.

 

5.     
A partir de uma
interpretação teleológica da regra transitória, aplica-se a regra permanente do
art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-de-benefício, quando
mais favorável ao contribuinte.

 

6.     
Proposta de tese
de repercussão geral: Aplica-se a regra definitiva, prevista no art. 29, I e
II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-de-benefício, quando mais
favorável do que a regra de transição contida no art. 3o da Lei 9.876/1999, aos
segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia
anterior à publicação da Lei 9.876/1999. –

 

Parecer pelo desprovimento do
recurso extraordinário e pela manutenção da tese fixada pelo Superior Tribunal
de Justiça” (e-doc.
36).

 

 

5. Em 25.2.2022,
iniciou-se o julgamento do recurso extraordinário no

Plenário Virtual, tendo
o Ministro Marco Aurélio, Relator, votado pelo desprovimento do recurso e pela
fixação da seguinte tese:

 

“Na apuração do salário de
benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social
até o dia anterior à publicação da Lei no 9.876/1999 e implementaram os
requisitos para aposentadoria na vigência do diploma, aplica-se a regra
definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei no 8.213/1991, quando
mais favorável que a norma de transição”.

 

O Ministro Marco Aurélio foi acompanhado por mim,
pelos

Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski,
Alexandre de Moraes e,

ainda, pela Ministra Rosa Weber.

 

O Ministro Nunes Marques divergiu e propôs a
seguinte tese: “É compatível com a Constituição Federal a regra disposta no
caput do art. 3º da Lei 9.876/1999, que fixa o termo inicial do período básico
de cálculo dos benefícios previdenciários em julho de 1994″, no que foi
acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz
Fux.

O Ministro Nunes Marques destacou, vindo os autos
ao Plenário.

 

6. A questão posta nos autos está em saber se é
possível aplicar-se, aos segurados filiados até a data da publicação da Lei n. 8.976/1999,
a regra definitiva do artigo 29 da Lei n. 8.213/1991 quando esta for mais favorável
do que a regra de transição posta no art. 3o da Lei n. 8.976/1996.

 

Cláusula de Reserva de Plenário

 

7. Ressalto que, quanto à alegação de ofensa ao
art. 97 da Constituição da República não assiste razão ao recorrente.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça
não declarou a inconstitucionalidade do art. 3o da Lei n. 9.876/1999, apenas
observou que a norma transitória deve ser vista em seu caráter protetivo, pelo
que, quando mais favorável, deveria prevalecer a norma permanente.

Este Supremo Tribunal Federal decidiu que não
ofende a Cláusula de Reserva de Plenário acórdão de órgão colegiado que se
limita a interpretar a legislação infraconstitucional. Nesse sentido:

 

     “EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO. TAXA DE SERVIÇOS DIVERSOS.DETRAN. REGISTRO
DE FINANCIMENTO DE VEÍCULO.

LEGALIDADE
DA COBRANÇA. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. OFENSA AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. INOCORRÊNCIA. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. FATOS E PROVAS.
REEXAME. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A mera interpretação de
legislação infraconstitucional, sem negativa de vigência a qualquer diploma
normativo, não tem o condão de representar ofensa à cláusula de reserva de
plenário. 2. Não se presta o recurso extraordinário para a análise de matéria infraconstitucional,
tampouco para o reexame dos fatos e das provas (Súmula 279 do STF). 3. Agravo
interno desprovido, com imposição de multa de 5% (cinco por cento) do valor
atualizado da causa (artigo 1.021, § 4o, do CPC), caso seja unânime a votação.
4. Honorários advocatícios majorados ao máximo legal em desfavor da parte recorrente,
caso as instâncias de origem os tenham fixado, nos termos do artigo 85, § 11,
do Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2o e 3o e a eventual
concessão de justiça gratuita” (ARE n. 138.8133-AgR/RS, Relator o Ministro Luiz
Fux, Plenário, DJe 12.9.2022).”

 

     EMENTA SEGUNDO AGRAVO INTERNO EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITOTRIBUTÁRIO. FIXAÇÃO DE NORMAS MEDIANTE CONVÊNIO
PARA REGULAR TRIBUTO. COMPETÊNCIA DELEGADA AOS ESTADOS E AO DISTRITO FEDERAL,
PREVISTA NO ART. 34, § 8o, DO ADCT, APENAS NAS HIPÓTESES
DE LACUNA LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE DO CONVÊNIO ICMS 66/1988. BASE DE
CÁLCULO JÁ DISCIPLINADA NO DECRETO-LEI N.406/1968. REEXAME DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. AUSÊNCIA. VERBA
HONORÁRIA. ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MAJORAÇÃO CABÍVEL. 1. O
art. 34, § 8º,do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não conferiu
aos Estados-Membros e ao Distrito Federal poderes para, mediante convênio,
criar ou majorar tributos já disciplinados em lei (RE 149.922, Plenário,
Relator o ministro Ilmar Galvão). 2. Dissentir da conclusão alcançada pelo Colegiado
de origem – quanto à aplicação do Decreto-Lei n.406/1968 ao caso concreto
–demandaria o reexame da legislação infraconstitucional de regência,
providência vedada na via extraordinária. 3. A mera interpretação de norma não
se qualifica como ofensa à cláusula de reserva de plenário inserida no art. 97
da Constituição Federal. 4. Majora-se em 1% (um por cento) a verba honorária
fixada na origem, observados os limites impostos. Disciplina do art. 85, §§ 2o,
3o e 11, do Código de Processo Civil. 5. Agravo interno desprovido” (ARE
n.1.325.881/RJ, Relator o Ministro Nunes Marques, Segunda Turma, DJe
11.11.2022).

 

  “EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CADASTRO RESERVA. NÚMEROS DE
APROVADOS. DEFINIÇÃO NO EDITAL. CONVOCAÇÃO DE EXCEDENTES. ART. 97 DA LEI MAIOR.
RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO INOCORRENTE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS DO
EDITAL. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA
EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1.Imprescindível, à caracterização da afronta à
cláusula da reserva de plenário, que a decisão esteja fundamentada na
incompatibilidade entre a norma legal e a Constituição Federal, o que não se
verifica in casu. 2. A controvérsia, conforme já asseverado na decisão
guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos
constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria
a reelaboração da moldura fática, bem como o reexame da interpretação conferida
às cláusulas do edital, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à
Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso
extraordinário.

Desatendida a exigência do art. 102, III, ‘a’, da
Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 3. As razões do
agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a
decisão agravada. 4. A teor do art. 85, § 11, do CPC/2015, o “tribunal, ao
julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o
trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o
disposto nos §§ 2º a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação
de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos
limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento”. 5. Agravo
interno conhecido e não provido” (ARE n.1.379.582-AgR/DF, Relatora a Ministra
Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 19.8.2022).

 

         Leis
ns. 8.213/1991 e 9.876/1999

 

8. O art. 29 da Lei n. 8.213/1991, que trata dos
Planos de Benefícios da Previdência Social, dispunha:

 “Art. 29. O salário-de-benefício consiste na
média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses
imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada
do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não
superior a 48 (quarenta e oito) meses”.

 

Considerava-se, então, para o cálculo dos
benefícios, o período dos últimos 36 (trinta e seis) meses do período
contributivo do segurado.

A Lei n. 9.876/1999 veio a alterar esse dispositivo
que passou a estabelecer:

 

“Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e
c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo,
multiplicada pelo fator previdenciário;

II – para os benefícios de que tratam as alíneas a,
d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo”.

 

Os benefícios tratados no art. 18 da Lei n.
8.213/1991 são os seguintes:

 

“Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social
compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos
decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

I – quanto ao segurado:

a) aposentadoria por invalidez;

b) aposentadoria por idade;

c) aposentadoria por tempo de serviço;

c) aposentadoria por tempo de contribuição;

d) aposentadoria especial;

e) auxílio-doença;

f) salário-família;

g) salário-maternidade;

h) auxílio-acidente”.

 

Assim,
segundo a regra geral, o cálculo do salário de benefício será realizado tendo
em conta os maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o
período contributivo.

A
Lei n. 9.876/1999 estipulou, ainda, no art. 3o, regra de transição para aqueles
segurados filiados até a data da publicação da lei e que tivessem cumprido os
requisitos para a concessão dos benefícios:

 

“Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência
Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as
condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média
aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo,
oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência
julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da
Lei n. 8.213, de 1999 com a redação dada por esta Lei.

§ 1o Quando se tratar de segurado especial, no
cálculo do salário-de-benefício serão considerados um treze avos da média
aritmética simples dos maiores valores sobre os quais incidiu a sua
contribuição anual, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o
período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o
disposto nos incisos I e II do §6o do art. 29 da Lei n.
8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

§2o No caso das aposentadorias de que tratam as
alíneas b,c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da
média a que se refere o caput e o § 1o não poderá ser inferior a sessenta por
cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do
benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo”.

 

O
cálculo do salário de benefício será realizado tendo em conta os maiores
salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo a
partir de julho de 1994.

Impossibilitou-se,
assim a inclusão, nos cálculos, de qualquer contribuição realizada antes de
1994.

 

Isonomia e Segurança Jurídica

 

9.
As regras de transição têm por propósito garantir a segurança jurídica àqueles
que serão alcançados pelas mudanças legislativas.

Da
exposição de motivos do Projeto de Lei n. 1.527/199 que resultou na Lei n
9.876/1999, extrai-se que havia uma preocupação com o período inflacionário
anterior ao Plano Real e seus efeitos nas contribuições:

 

 

 

EM EDIÇÃO ….