Leiam
a sentença de primeiro
grau, logo abaixo tem o ACÓRDÃO da Nona Turma do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (TRF3), que, por unanimidade, determinou ao Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) converter em tempo comum os 25 anos de
atividade especial exercida em ambientes hospitalares e em indústria gráfica
por um homem de São José dos Campos/SP e confirmou a concessão de aposentadoria
por tempo de contribuição.
PROCEDIMENTO
COMUM (7) Nº 5006890-39.2018.4.03.6103 / 3ª Vara Federal de São José dos
Campos
AUTOR:
CENSURADO
Advogado
do(a) AUTOR: FRANCISCO PEREIRA NETO – MG133248
RÉU:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
S E N T E N Ç A
Trata-se
ação de procedimento comum, com a finalidade de assegurar o direito à averbação
do tempo comum, bem como o reconhecimento do período trabalhado em condições
especiais, com a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral,
sem incidência do fator previdenciário, pela regra 85/95, desde 23.02.2018.
Alega
o autor, em síntese, que requereu o benefício em 23.02.2018, indeferido por não
terem sido averbados os períodos de atividade urbana comum, prestados às
empresas CASA GELLI MÓVEIS S/A (04.01.1982 a 03.5.1982), EMPIRE INDÚSTRIA E
ARTES GRÁFICAS LTDA. (24.8.1982 a 01.3.1983) e REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE
PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DO RIO DE JANEIRO (22.9.1998 a 12.9.2000), que estão
devidamente anotados em Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS.
Sustenta
o autor, ainda, que o INSS não considerou como especiais os períodos
trabalhados às empresas EXIMPRE INDÚSTRIA E ARTES GRÁFICAS LTDA. (24.8.1982 a
01.3.1983), VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DA PENITÊNCIA (20.7.1992
a 03.5.1995), ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO SANTA CATARINA CASA DE SAÚDE SÃO JOSÉ
(12.9.1995 a 20.8.1997), REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA
DO RIO DE JANEIRO (22.9.1998 a 12.9.2000), HOSPITAL GERAL EL KADRI LTDA.
(07.10.2004 a 01.02.2007); CLÍNICA DE CAMPO GRANDE S/A (01.8.2007 a
10.12.2007), CLÍNICA SÃO JOSÉ LTDA. (13.02.2008 a 11.10.2011), UNIMED
COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (21.01.2010 a 04.02.2015) e HMJCF – SPDM –
ASSOC. PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA (12.7.2007 a 23.02.2018).
A
inicial veio instruída com documentos.
Citado,
o INSS contestou sustentando, prejudicialmente, a ocorrência da prescrição
quinquenal e, no mérito propriamente dito, requereu a improcedência do pedido.
Subsidiariamente, requereu que os períodos em que tenha estado em gozo de
auxílio-doença previdenciário não sejam computados como especiais e que os
efeitos financeiros sejam fixados na data da citação, caso demonstrado que a
parte autora não tenha apresentado administrativamente os documentos
necessários à prova do alegado.
Em
réplica, a parte autora reitera os argumentos em sentido de procedência do
pedido.
Instadas
a se manifestarem em provas, o autor requereu a realização de perícia nos
locais de trabalho ou a requisição dos laudos técnicos às empresas.
Intimado
a juntar aos autos os laudos técnicos das empresas em que trabalhou, o autor
informou que não obteve contato da empresa Venerável Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência, com a juntada do comprovante de baixa na Receita
Federal e comprovou o envio de e-mails às demais empresas.
Foi
determinada a expedição de ofício para a apresentação de laudo pericial.
O
autor requereu a intimação da empresa Real e Benemérita Soc. Portug. de
Beneficência do RJ por diário oficial.
É
o relatório. DECIDO.
Preliminarmente,
entendo irrelevante a tentativa de intimação da ex-empregadora do autor por
meio de diário oficial, dada a manifesta ineficácia desse meio para obter o que
concretamente interessa ao feito. Demais disso, considerando os demais
documentos juntados aos autos, relativos às demais empresas, é desnecessária a
realização de perícia, mormente considerando que, para vínculos de emprego
antigos, uma perícia atual dificilmente conseguiria reproduzir o ambiente de
trabalho existente à época da prestação de serviços.
Portanto,
é cabível o julgamento do feito no estado em que se encontra.
Prejudicialmente,
quanto à prescrição da pretensão da parte autora, é de se ressaltar que, nas
relações de trato sucessivo, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas
antes do quinquênio anterior à propositura da ação (Súmula n.º 85 do STJ).
Assim,
considerando que a ação foi distribuída em 18.12.2018, e o requerimento
administrativo ocorreu em 23.02.2018, não há parcelas alcançadas pela
prescrição.
Quanto
ao mais, estão presentes a legitimidade das partes e o interesse processual,
bem como os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, em
virtude do que passo ao exame do mérito.
Examino,
inicialmente, o pedido de cômputo de tempo comum.
Neste
particular, verifico que o vínculo mantido com a REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE
PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DO RIO DE JANEIRO (22.9.1998 a 12.9.2000) está
devidamente anotado no CNIS (documento de ID 14631856, p. 1), indicando-se,
inclusive, que se trata de lançamento extemporâneo “confirmado pelo INSS”. Tal
vínculo também se acha anotado em CTPS (documento de ID 13222030, p. 1),
registrando-se como data de término o dia 12.9.2000. Constam também da carteira
anotações a respeito do recolhimento da contribuição sindical – ID 13222035),
reajustes salariais (ID 13222037), férias (ID 13222044), sem rasuras e na
estrita ordem cronológica. Portanto, não há razão jurídica para recusar crédito
a tal vínculo.
Já
os vínculos mantidos com as empresas CASA GELLI MÓVEIS S/A (04.01.1982 a
03.5.1982) e EXIMPRE INDÚSTRIA E ARTES GRÁFICAS LTDA. (nome empresarial correto
– 24.8.1982 a 01.3.1983), ainda que não constem do CNIS, figuram igualmente
anotados em CTPS (documento de ID 13221614, p. 1). O autor exerceu as funções
de “aprendiz de montador” e “contínuo”, respectivamente, conforme as anotações
ali contidas, que estão também em ordem cronológica e sem rasuras, havendo
também registro de recolhimento de contribuição sindical, alterações de
salário, opção pelo FGTS, admissão em contrato de experiência (documentos de ID
13221631, 13221632, 13221639, 1322164). Nestes termos, tampouco há razões que
justifiquem desconsiderar a existência desses vínculos, que devem ser
computados para fins previdenciários.
A
aposentadoria especial, que encontrava fundamento legal originário na Lei nº
3.807/60, vem hoje prevista na Lei nº 8.213/91, especialmente nos arts.
57 e 58, representando subespécie da aposentadoria por tempo de serviço (ou
de contribuição), que leva em conta a realização de atividades em condições
penosas, insalubres ou perigosas, potencialmente causadoras de danos à saúde ou
à integridade física do trabalhador.
As
sucessivas modificações legislativas ocorridas em relação à aposentadoria
especial exigem uma breve digressão sobre as questões de direito intertemporal
aí envolvidas.
É
necessário adotar, como premissa necessária à interpretação desses preceitos,
que a norma aplicável ao trabalho exercido em condições especiais é a norma
vigente ao tempo em que tais atividades foram realizadas. Assim, o direito à
contagem do tempo especial e sua eventual conversão para comum deve ser aferido
mês a mês, dia a dia, de acordo com a norma então vigente.
Por
tais razões, não se sustenta a costumeira impugnação relativa à ausência de
direito adquirido como impedimento à contagem de tempo de serviço em condições
especiais. Se é certo que o direito à concessão do benefício só se incorpora ao
patrimônio do titular no momento em que este implementa todos os requisitos
legais, o direito à averbação do tempo especial é adquirido na medida em que
esse trabalho é realizado.
O
art. 58 da Lei nº 8.213/91, em sua redação originária, remetia à “lei
específica” a competência para relacionar as atividades profissionais que
seriam prejudiciais à saúde ou à integridade física. Inerte o legislador ordinário,
passou-se a aplicar, por força da regra transitória do art. 152 da mesma Lei,
as normas contidas nos anexos dos Decretos de nº 53.831, de 25 de março de
1964, e nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979.
Tais
normas previam duas possibilidades de reconhecimento da atividade especial. A
primeira, relacionada com grupos profissionais (mediante presunção de tais
atividades como especiais). Além disso, pelo rol de agentes nocivos
(independentemente da profissão exercida pelo segurado). Nestes casos, era desnecessária
a apresentação de laudos técnicos (exceto quanto ao agente ruído).
A
partir de 29 de abril de 1995, com a publicação da Lei nº 9.032, que
modificou o art. 57, § 4º, da Lei nº 8.213/91, passou a ser necessária a
demonstração de efetiva exposição aos agentes agressivos. A partir dessa data,
portanto, além do antigo formulário “SB 40”, passou-se a exigir a
apresentação de laudo pericial, sendo irrelevante o grupo profissional em que
incluído o segurado.
Posteriormente,
por força da Lei nº 9.728/98, que modificou os §§ 1º e 2º da Lei nº
8.213/91, sobrevieram novas exigências e especificações para apresentação
do referido laudo técnico, inclusive quanto aos equipamentos de proteção
individual que pudessem reduzir ou afastar os riscos da atividade.
A
partir de 06 de março de 1997, o rol de atividades dos antigos decretos foi
substituído pelo Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997, depois
revogado pelo Decreto nº 3.048/99, mantendo-se a exigência de laudo
técnico pericial.
Ao
contrário do que normalmente se sustenta, não há qualquer vedação à conversão
em comum do tempo prestado sob condições especiais no período anterior a
01.01.1981, quando entrou em vigor a Lei nº 6.887/80, que alterou o art. 9º,
§ 4º, da Lei nº 5.890/73.
Como
já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região em caso análogo, “a
limitação temporal à conversão, com base na Lei 6.887/80, encontra-se superada,
diante da inovação legislativa superveniente, consubstanciada na edição do Decreto
nº 4.827, de 03 de setembro de 2003, que deu nova redação ao artigo 70
do Decreto nº 3.048 – Regulamento da Previdência Social -, de 06 de maio de
1999, que imprimiu substancial alteração do quadro legal referente à matéria
posta a desate” (AG 2005.03.00.031683-7, Rel. Des. Fed. MARISA SANTOS, DJ
06.10.2005, p. 408).
Verifica-se
que, no que se refere ao agente ruído, sempre foi necessária sua comprovação
mediante laudo técnico pericial, independentemente do período em que o trabalho
foi realizado.
Essa
exigência, que nada tem a ver com a estabelecida pela Lei nº 9.032/95, que a
estendeu para qualquer agente agressivo, é indissociável da própria natureza do
agente ruído, cuja comprovação só é suscetível de ser realizada mediante
aferição realizada por aparelhos de medição operados por profissionais
habilitados.
Nos
termos da Ordem de Serviço nº 612/98 (item 5.1.7), estabeleceu-se que os ruídos
acima de 80 decibéis eram suficientes para reconhecimento da atividade especial
até 13 de outubro de 1996. A partir de 14 de outubro de 1996, passaram a ser
necessários 90 decibéis para esse fim.
Ocorre,
no entanto, que os anexos dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79 subsistiram
validamente até 05 de março de 1997, véspera da publicação do Decreto nº
2.172/97, que os revogou expressamente. Não sendo possível que simples ordem de
serviço possa dispor de forma diversa de decreto regulamentar, a conclusão que
se impõe é que, até 05.3.1997, o ruído acima de 80 e abaixo de 90 decibéis pode
ser considerado como agressivo. A partir de 06 de março de 1997, apenas o ruído
de 90 dB pode assegurar a contagem do tempo especial.
Com
a edição do Decreto nº 4.882/2003, esse nível foi reduzido a 85 decibéis,
alterando, a partir de sua vigência, o critério regulamentar para tolerância à
exposição ao ruído.
Em
suma, considera-se especial a atividade sujeita ao agente ruído superior a 80
dB (A) até 05.3.1997; superior a 90 dB (A) de 06.3.1997 a 18.11.2003; superior
a 85 dB (A) a partir de 19.11.2003.
Vale
ainda acrescentar que o entendimento consolidado na Súmula nº 32 da Turma
Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (depois de revisada)
aparenta contrariar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito
do assunto.
Acrescente-se
que a Primeira Seção do STJ, na sessão realizada em 28.8.2013, deu provimento
ao incidente de uniformização jurisprudencial suscitado pelo INSS a respeito do
tema, na forma do art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/01 (Petição Nº 9.059 – RS
[2012/0046729-7], Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES), entendimento que é vinculante
no sistema dos Juizados Especiais Federais.
A
questão restou definitivamente resolvida no julgamento do RESP 1.398.260, Rel.
Min. HERMAN BENJAMIN, j. em 14.5.2014, na sistemática dos recursos especiais repetitivos
(art. 543-C do CPC), que afastou a pretensão de aplicar retroativamente o
Decreto nº 4.882/2003.
Veja-se
que, embora a legislação trabalhista possa apurar eventual trabalho insalubre
cotejando a intensidade do ruído com o tempo de exposição, este não é um
parâmetro a ser considerado para efeito da proteção previdenciária, que leva em
conta, apenas, o nível de ruído. Diante disso, o fato de o segurado trabalhar
habitualmente em jornada extraordinária não altera as conclusões já firmadas.
Quanto
à suposta alegação de falta de custeio para o pagamento da aposentadoria
especial, é evidente que o sistema concedeu contribuições específicas para o
custeio dessas aposentadorias, essencialmente o Seguro de Acidentes do Trabalho
(SAT), exigido na forma do art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, do acréscimo de que
cuida o art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91, bem como da possibilidade de
redução prevista no art. 10 da Lei nº 10.666/2003.
Nesses
termos, sem embargo da possibilidade de que a União, por meio da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, institua e cobre tais contribuições adicionais, não
há como recusar o direito à aposentadoria especial a quem preencheu todos os
requisitos legais.
Quanto
ao período em que o segurado eventualmente tenha estado em gozo de
auxílio-doença, tenho que o Decreto nº 4.882/2003 incidiu em evidente
ilegalidade, ao limitar tal cômputo apenas aos benefícios decorrentes de
acidente do trabalho, ao estabelecer distinção não prevista em lei e, por essa
razão, inválida. Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça,
examinando a matéria na sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema
998, RESP’s 1.759.098 e 1.723.181, ambos julgados em 26.6.2019).
A
possibilidade de conversão de tempo especial em comum se mantém, mesmo depois
de 1998.
A
Medida Provisória nº 1.663-10, que intentava revogar a regra do art. 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91, acabou não sendo convertida da Lei nº 9.711/98, neste ponto
específico. A interpretação conjugada da Emenda à Constituição nº 20/98, tanto
na parte em que alterou a redação do art. 201, § 1º da Constituição Federal,
bem como do próprio artigo 15 da Emenda, faz ver que o “constituinte” derivado
não apenas estabeleceu uma reserva de lei complementar para a matéria, mas
também determinou a aplicação, até a edição dessa lei complementar, das
disposições dos arts. 57 e 58 tais como vigentes na data da publicação da
Emenda (16.12.1998).
A
conclusão que se impõe é que subsiste a possibilidade de conversão do tempo
especial em comum, mesmo depois da emenda e até que sobrevenha legislação
complementar a respeito.
Este
entendimento foi fixado pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP 1.151.363,
Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe 05.4.2011, firmado na sistemática dos recursos
especiais repetitivos, de observância obrigatória neste grau de jurisdição
(art. 927, III, do CPC).
Postas
essas premissas, verifica-se que, no presente caso, pretende o autor ver
reconhecido como tempo especial o trabalhado nas seguintes empresas:
a) EXIMPRE INDÚSTRIA E ARTES
GRÁFICAS LTDA. (24.8.1982 a 01.3.1983);
b) VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO
FRANCISCO DA PENITÊNCIA (20.7.1992 a 03.5.1995);
c) ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO SANTA
CATARINA CASA DE SAÚDE SÃO JOSÉ (12.9.1995 a 20.8.1997);
d) REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE
PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DO RIO DE JANEIRO (22.9.1998 a 12.9.2000);
e) HOSPITAL GERAL EL KADRI LTDA.
(07.10.2004 a 01.02.2007);
f) CLÍNICA DE CAMPO GRANDE S/A
(01.8.2007 a 10.12.2007);
g) CLÍNICA SÃO JOSÉ LTDA.
(13.02.2008 a 11.10.2011);
h) UNIMED COOPERATIVA DE TRABALHO
MÉDICO (21.01.2010 a 04.02.2015); e
i) HMJCF – SPDM – ASSOC. PAULISTA
PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA (12.7.2007 a 23.02.2018).
Quanto ao vínculo descrito no item “a”, embora a
anotação em CTPS indicasse que o autor teria exercido a função de “contínuo”,
tal anotação foi objeto de uma retificação, feita contemporaneamente,
esclarecendo que se tratava de um “aprendiz de encadernador”, função que é
compatível com a atividade econômica da empresa (indústria gráfica). Tal função
(retificada) consta também da anotação de reajuste salarial, de tal forma que
não há dúvida que o autor realmente trabalhou naquela função, o que atrai a
aplicação do código 2.5.5 do quadro anexo a que se refere o artigo 2º do
Decreto nº 53.831/64. Há, portanto, uma presunção de nocividade de tal
atividade, que deve ser computada como especial.
Para o período descrito no item “b” (VENERÁVEL
ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DA PENITÊNCIA – 20.7.1992 a 03.5.1995), há
anotação em CTPS indicando que o autor exerceu a função de “auxiliar de
enfermagem”, tendo sido anotado, também o pagamento do adicional de
insalubridade (documento de ID 13221649, p. 1). O PPP juntado igualmente
reafirma o exercício de tal função, que foi alterada, a partir de 01.01.1994,
para técnico de enfermagem, mantendo-se a exposição aos mesmos vírus,
bactérias, fungos, etc., sem menção a qualquer EPI.
Para a comprovação do período trabalhado no item
“c”, o autor juntou também PPP (ID 13220956, 13220957, 13220958) que atestou o
exercício da função de técnico de enfermagem, prestando assistência a
pacientes, administrando medicação, fazendo curativos, colhendo materiais para
exames laboratoriais, executando, exposição procedimentos pós –morte, dentre
outros. O PPP atestou a exposição a vírus, bacilos e bactérias. Foram juntados
os Programas de Prevenção de Riscos Ambientais e laudo técnico atestando a
existência de risco biológico (Id 18837178).
Assim, tal vínculo também deve ser considerado
especial.
Para a comprovação do período trabalhado no item
“d”, o autor juntou aos autos a CTPS (documento de ID 13222030, p. 1) e o
Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (ID 13220962 e 13220963), que
descrevem que o autor exercia a função de auxiliar de enfermagem. Nos fatores
de risco, constam “calor” e “ruído” (ambos em intensidade inferior aos limites
de tolerância), “fármacos”, “microorganismos” e “postura inadequada”. Nestes
itens, não são informados a intensidade ou concentração, indicando-se o uso do
EPI 31568 (“luva para procedimentos não cirúrgicos).
Assim, considero que este período deve ser
igualmente computado como especial.
Para a comprovação do trabalho exercido no item
“e”, foi juntado PPP atestando a função de técnico de enfermagem, exposto a
bactérias, fungos, vírus e pérfuro-cortantes (ID 13220964 e 13220965).
Em relação ao trabalho prestado no item “f”, o PPP
juntado (ID 13220968, 13220969) descreve que o autor exercia a função de
técnico de enfermagem, prestando cuidados diretos a pacientes, exposto a
agentes patogênicos. Consta dos autos o laudo de insalubridade (ID 18872828)
que descreve os riscos biológicos no trabalho exercido.
Quanto ao item “g”, foi juntado PPP (Id 13220970)
que descreve que o autor exercia a função de técnico de enfermagem, no setor
“UTI adulto”, exposto a contato com doenças infectocontagiosas de modo
eventual, bem como exposto a bactérias, vírus, fungos e protozoários, de forma
permanente. Também foi apresentado laudo técnico (Id 18441147), indicando a
exposição aos agentes biológicos no exercício da função de técnico de
enfermagem, no setor “UTI adulto”.
Para a comprovação do item “h”, o PPP (ID 13220972)
atesta que o autor exerceu função de técnico de enfermagem, no setor “UCO”,
sujeito a vírus, bactérias, bacilos, protozoários e fungos. Foi juntado laudo
técnico (ID 19694390, especialmente p. 127 e 19694392, p. 49) que atesta a
exposição a riscos biológicos.
Em relação ao trabalho prestado no item “i”, o PPP
(ID 13220974) atesta que o autor exerceu função de técnico de enfermagem,
sujeito ao contato com pacientes e acesso a ambientes com probabilidade de
contaminação. Também foram juntados os Programas de Prevenção de Riscos
Ambientais e laudo técnico atestando a existência de risco biológico (Id
18289403).
A utilização dos Equipamentos de Proteção
Individual – EPI ou de Equipamentos de Proteção Coletiva – EPC só poderia ser
invocada, quando muito, como fator de exclusão do agente agressivo a partir de
14 de dezembro de 1998, data de início da vigência da Lei nº 9.732/98, que
alterou a redação do art. 58, § 2º, da Lei nº 8.213/91.
Ocorre que não se extrai desse preceito, sequer
implicitamente, a conclusão levada a cabo pelo INSS segundo a qual o uso de EPI
ou EPC possa afastar a natureza especial da atividade.
Exige-se, sim, uma informação relativa à eventual
diminuição de intensidade do agente agressivo e que, em casos específicos,
possa neutralizar ou eliminar a submissão habitual e permanente do segurado a
esses agentes. Trata-se de norma voltada à proteção da saúde do segurado, sem
relação com a contagem de tempo especial e sua conversão em comum.
Acrescente-se que a caracterização da atividade
especial não precisa ser demonstrada com danos efetivos à saúde do segurado. Ao
contrário, a mens constitutionis expressa no art. 201, § 1º da Constituição
Federal de 1988 tem por finalidade essencial prevenir a ocorrência desses
danos, o que justifica o tratamento legal e constitucional diferenciado na
contagem do tempo de contribuição.
A jurisprudência pacífica do Egrégio Tribunal
Regional Federal da 3ª Região não tem reconhecido que a utilização desses
equipamentos seja suficiente para descaracterizar a atividade especial (por
exemplo, Sétima Turma, APELREE 2002.03.99.014814-8, Rel. Des. Fed. ANTONIO
CEDENHO, DJ 19.11.2008; Oitava Turma, AG 2008.03.00.000693-0, Rel. Des. Fed.
MARIANINA GALANTE, DJ 10.6.2008; Nona Turma, AC 2003.61.22.000975-4, Rel. Des.
Fed. SANTOS NEVES, DJ 17.01.2008, p. 720; Décima Turma, AMS
2007.61.09.000067-1, Rel. Des. Fed. SERGIO NASCIMENTO, DJ 12.11.2008).
O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento
do ARE 664.335, com repercussão geral reconhecida, fixou duas teses quanto à
utilização de tais EPI’s: 1. “O direito à aposentadoria especial pressupõe a
efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o
Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a
nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria
especial”. 2. “Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de
Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para
a aposentadoria”.
Pois bem, a exposição a “microorganismos” (dentre
os quais vírus, bactérias e fundos) é potencialmente prejudicial à saúde,
mormente considerando que o autor trabalhou em estabelecimentos hospitalares
(como mostram os campos “profissiografia” dos PPP’s anexados).
Ora, a ninguém é dado desconhecer que o mero uso
de luvas ou máscaras é incapaz de neutralizar os agentes patogênicos, vários
dos quais são transmissíveis pelo ar. Assim, o contato cotidiano com pacientes
expunha o autor a vírus, bactérias e outros agentes prejudiciais à saúde,
inclusive com o risco sempre presente de acidentes com o uso de materiais
pérfuro-cortantes, como é também da rotina de profissionais de enfermagem em
ambientes hospitalares.
Portanto, tenho como presente o direito ao cômputo
de tais períodos como especiais.
Somando-se os períodos aqui reconhecidos,
juntamente com o período de tempo reconhecido em sede administrativa, vejo que
o autor alcança, até a data de entrada do requerimento administrativo
(23.02.2018), descontando-se as concomitâncias, 35 anos, 02 meses e 24 dias de
contribuição.
Em tal data, tinha direito à aposentadoria
integral por tempo de contribuição (regra permanente do art. 201, § 7º, da
CF/88). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com
a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é
inferior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei
13.183/2015).
Em face do exposto, com fundamento no art. 487, I,
do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido,
para determinar ao INSS
que reconheça, como tempo comum urbano, o prestado pelo autor às
empresas CASA GELLI MÓVEIS S/A (04.01.1982 a 03.5.1982), EMPIRE INDÚSTRIA E
ARTES GRÁFICAS LTDA. (24.8.1982 a 01.3.1983) e REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE
PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DO RIO DE JANEIRO (22.9.1998 a 12.9.2000).
Condeno o
INSS,
ainda, a computar como especiais, convertendo-os em comuns pelo fator 1,4, os
períodos trabalhados às empresas EXIMPRE INDÚSTRIA E ARTES GRÁFICAS LTDA.
(24.8.1982 a 01.3.1983), VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DA
PENITÊNCIA (20.7.1992 a 03.5.1995), ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO SANTA CATARINA CASA
DE SAÚDE SÃO JOSÉ (12.9.1995 a 20.8.1997), REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE
PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DO RIO DE JANEIRO (22.9.1998 a 12.9.2000), HOSPITAL
GERAL EL KADRI LTDA. (07.10.2004 a 01.02.2007); CLÍNICA DE CAMPO GRANDE S/A
(01.8.2007 a 10.12.2007), CLÍNICA SÃO JOSÉ LTDA. (13.02.2008 a 11.10.2011),
UNIMED COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (21.01.2010 a 04.02.2015) e HMJCF – SPDM
– ASSOC. PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA (12.7.2007 a 23.02.2018), implantando
a aposentadoria por tempo de contribuição integral.
Condeno o
INSS,
ainda, ao pagamento dos valores devidos em atraso, com juros e correção
monetária calculados na forma do Manual de Orientação de Procedimentos para
os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução CJF nº 134/2010, com as
alterações da Resolução CJF nº 267/2013.
Condeno-o, finalmente, ao pagamento de honorários
advocatícios, que serão fixados na fase de cumprimento da sentença (artigo 85,
§§ 3º e 4º, II, do CPC).
Tópico síntese (Provimento Conjunto nº 69/2006):
Dados Censurados
Deixo de submeter a presente sentença ao duplo
grau de jurisdição obrigatório, nos termos do art. 496, § 3º, I, do Código de
Processo Civil.
P. R. I..
São José dos Campos, na data da assinatura.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO.
CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL.
INDÚSTRIA GRÁFICA. ENQUADRAMENTO PELA CATEGORIA PROFISSIONAL. AGENTES
BIOLÓGICOS. RECONHECIMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS.
–
A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for
inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos não se submete ao duplo grau de
jurisdição.
–
O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art.
70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003).
Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n.
9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e
conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
–
O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
–
A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a
edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem
possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do
artigo 543-C do CPC).
–
A informação de “EPI Eficaz (S/N)” não se refere à real eficácia do EPI para
fins de descaracterizar a nocividade do agente.
–
Depreende-se da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do autor, o
trabalho em indústria gráfica, fato que possibilita o enquadramento em razão da
atividade, até 28/4/1995, nos termos dos códigos 2.5.5 do anexo do Decreto n.
53.831/1964 (“trabalhadores permanentes nas indústrias poligráficas”) e 2.5.8
do anexo do Decreto n. 83.080/1979 (“indústria gráfica e editorial”).
–
Comprovada exposição habitual e permanente a agentes biológicos
infectocontagiosos (códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.3.4 e
2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, e 3.0.1 do anexo do Decreto n.
3.048/1999).
–
Admite-se a prova pericial indireta ou por similaridade, em empresa similar
àquela em que o segurado trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as
condições físicas do local onde efetivamente prestou seus serviços. Precedentes
do STJ.
–
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
–
Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral desde a data do requerimento
administrativo.
–
Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos
e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
APELAÇÃO
CÍVEL (198) Nº 5006890-39.2018.4.03.6103
RELATOR: Gab. 31
– DESEMBARGADORA FEDERAL DALDICE SANTANA
APELANTE:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO: Censurado
Advogado
do(a) APELADO: FRANCISCO PEREIRA NETO – SP364367-A
OUTROS
PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se
de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço
comum e especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição.
A
sentença julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer
como tempo de serviço comum os períodos de 4/1/1982 a 3/5/1982, de 24/8/1982 a
1º/3/1983 e de 22/9/1998 a 12/9/2000; (ii) enquadrar como atividade
especial e converter em comum (fator de 1,4) os intervalos de 24/8/1982 a
1º/3/1983, de 20/7/1992 a 3/5/1995, de 12/9/1995 a 20/8/1997, de 22/9/1998 a
12/9/2000, de 7/10/2004 a 1º/2/2007, de 1º/8/2007 a 10/12/2007, de 13/2/2008 a
11/10/2011, de 21/1/2010 a 4/2/2015 e de 12/7/2007 a 23/2/2018; (iii)
determinar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição
integral desde a data do requerimento administrativo (DER 23/2/2018), acrescido
de correção monetária e juros de mora, bem como de honorários advocatícios a
serem definidos em fase de cumprimento de sentença (artigo 85, §§ 3º e 4º, II,
do CPC).
Inconformada, a
autarquia interpôs apelação, na qual alega, em síntese, a impossibilidade do
enquadramento deferido e da concessão do benefício de aposentadoria por tempo
de contribuição. Requer a reforma da decisão a quo com a improcedência dos
pedidos.
Com
contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É
o relatório.
V O T O
O
recurso de apelação atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser
conhecido.
Insta
frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença
foi proferida na vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a
exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Neste
caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Passo
à análise das questões trazidas a julgamento.
Do
enquadramento de período especial.
Editado
em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento
da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o
qual passou a ter a seguinte redação:
“Art. 70.
A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
( . . . )
§ 1º A
caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As
regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.”
Por
conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido
em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi
prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão
dos anos trabalhados a “qualquer tempo”, independentemente do
preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais,
em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal,
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à
impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência
da Lei n. 6.887/1980.
Nesse
sentido: STJ, REsp
1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008,
DJe 7/4/2008.
Cumpre
observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de
1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se
exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a
comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido
pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições
prejudiciais.
Nesse
particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas
pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n.
9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo,
tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo
pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse
contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade
insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível
para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964
vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com
a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo
de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85
decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto
a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85
dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre
essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do
art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação
retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de
90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em
14/05/2014).
Com
a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n.
9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de
informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à
utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde
então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de
promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a
3/12/1998.
Entretanto,
o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii)
havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI
para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do
trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não
afasta a nocividade do agente.
Quanto
a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo “EPI Eficaz (S/N)”
constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido
pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos
fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de
preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Além
disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e
PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da
fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era
prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
No
caso dos autos, quanto ao intervalo enquadrado como especial, de 24/8/1982 a
1º/3/1983, depreende-se da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do
autor, o trabalho em indústria gráfica (“Eximpre Indústria e Artes Gráficas
Ltda.”), na função de “aprendiz de encadernação”, fato que possibilita o enquadramento
em razão da atividade, nos termos dos códigos 2.5.5 do anexo do Decreto n.
53.831/1964 (“trabalhadores permanentes nas indústrias poligráficas”) e 2.5.8
do anexo do Decreto n. 83.080/1979 (“indústria gráfica e editorial”).
Nesse
sentido: TRF3, Apelação/Remessa Necessária – 1739163, ApelRemNec
0003418-89.2006.4.03.6183, Processo antigo formatado: 2006.61.83.003418-6,
Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data:
5/6/2019; ApCiv 5003382-39.2018.4.03.6183, Relator Desembargador Federal Tania
Regima Marangoni, 8ª Turma, Intimação via sistema Data: 28/6/2019.
Especificamente
aos interstícios de 20/7/1992 a 3/5/1995 (“Venerável Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência – “auxiliar e técnico de enfermagem”, situação que também
permite o enquadramento pela categoria profissional, até 28/4/1995), de
12/9/1995
a 20/8/1997 (“Associação Congregação de Santa Catarina Casa de Saúde São José”
– técnico de enfermagem), de 22/9/1998 a 12/9/2000 (“Real e Benemérita
Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro” – auxiliar de
enfermagem), de 7/10/2004 a 1º/2/2007 (Hospital Geral El Kadri Ltda.” – técnico
de enfermagem), de 1º/8/2007 a 10/12/2007 (“Clínica de Campo Grande” – técnico
de enfermagem), de 13/2/2008 a 11/10/2011 (“Clínica São José” – técnico de
enfermagem), de 21/1/2010 a 4/2/2015 (“ Unimed Cooperativa de Trabalho Médico”
– técnico de enfermagem) e de 12/7/2007 a 23/2/2018 (“HMJCF – SPDM – Associação
Paulista para Desenvolvimento da Medicina” – técnico de enfermagem), a parte
autora logrou comprovar, via formulário, “Perfil Profissiográfico
Previdenciário” (PPP), “Programa de Prevenção de Riscos Ambientais” (PPRA) e
laudo técnico, exposição de forma habitual e permanente a agentes biológicos
infectocontagiosos (vírus, bactérias, microorganismos, etc.), em razão do
exercício de atividades em ambientes hospitalares, situação que caracteriza o
enquadramento requerido conforme os códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n.
53.831/1964, 1.3.4 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, e 3.0.1 do anexo
do Decreto n. 3.048/1999.
Não
obstante o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) apresentado, referente
ao lapso de 22/2/1998 a 12/9/2000, não constar profissional legalmente
habilitado na aferição dos registros ambientais, entendo, que nessa hipótese, o
mencionado documento é capaz de demonstrar a sujeição a agentes agressivos.
Com
efeito, constata-se que as diligências realizadas no sentido de que a
ex-empregadora “Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio
de Janeiro” apresentasse laudo técnico (LTCAT) subscrito por profissional
legalmente habilitado (engenheiro ou ou médico de segurança do trabalho, que
corrobore o conteúdo do formulário padronizado – PPP), restaram infrutíferas
diante do encerramento de suas atividades, conforme id. 133548485 – pág. 43.
Desse
modo, em vista da similaridade da função (auxiliar de enfermagem – ambientes
hospitalares) exercida pelo autor nesse período com a maioria dos intervalos
pretendidos nestes autos, conclui-se que, nessa hipótese, o mencionado PPP,
juntamente com as outras provas similares, é apto a comprovar o exercício das
atividades sob condições insalubres.
Além
disso, cumpre acrescentar que se admite a prova pericial indireta ou por
similaridade, em empresa similar àquela em que o segurado trabalhou, quando não
houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente
prestou seus serviços (REsp
1370229/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 25/2/2014; RESP 201700371993, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE
DATA: 2/5/2017).
De
fato, as atividades exercidas pelos profissionais na área da saúde são de
natureza insalubre, pois sujeitos aos contatos com pessoas doentes, vírus e
bactérias.
Nesse
sentido: STJ – REsp:
1474433 PR 2014/0182773-0, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de
Publicação: DJ 28/5/2015.
Diante
das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese,
o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
No
mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou
divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade
especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo
30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enforque.
Com
efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto
Magno, haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições
previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999,
AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1,
DATA: 25/9/2017.
Destarte,
os interstícios supracitados devem ser reconhecidos como especiais, convertidos
em comum (fator de conversão de 1,4) e somados aos lapsos incontroversos,
restando mantida a decisão recorrida neste aspecto.
Da
aposentadoria por tempo de contribuição
Antes
da edição da Emenda
Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria por
tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim
redigido:
“Art.
202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício
sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos
monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos
salários-de-contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as
s e g u i
n t e s c o n d i ç õ e s:
( . . . )
II – após
trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em
tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, definidas em lei:
( . . . )
§ 1º – É
facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem,
e, após vinte e cinco, à mulher.”
Já
na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei
n. 8.213/1991:
“Art. 52.
A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida
nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do
sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do masculino.”
Assim,
para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado
teria de preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e
carência.
Com
a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de
15/12/1998, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando,
contudo, a observância do direito adquirido. Isso significa dizer: o segurado
que tivesse satisfeito todos os requisitos para obtenção da aposentadoria
integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
No
entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos
à época da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º,
estabeleceu regras de transição e passou a exigir, para quem pretendesse se
aposentar na forma proporcional, requisito de idade mínima (53 anos de idade
para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de
contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de “pedágio”.
No
caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo
142 da Lei n. 8.213/1991.
Ademais,
patente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho
até o requerimento administrativo (DER 23/2/2018), confere à parte autora mais
de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral deferida (regra permanente do artigo 201, §
7º, da CF/1988).
Irretorquível,
portanto, a decisão a quo.
Diante
do exposto, nego
provimento à apelação do INSS.
É
o voto.
***